sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sonho com dias diferentes...





Sonho com dias diferentes...


Dias em que,cada frame de segundo seja intenso e especial.


Que o amor,nos seja como o ar, sem ele,impossível de respirar.


Sonho com dias,em que a nossa única bandeira,seja à do perdão


do partir do pão,e da comunhão.


Que a tolerância entre os povos seja o termo essêncial.


Que a única religião,seja a da disposição,da entrega,da horizontalidade.


Que o mundo rico,lembre dos pobres.


E que a "fome zero",saia da teoria, e caia na prática de seus idealizadores.


Sonho com dias,em que,a cura,crie raizes,brote do chão,e que em suas árvores


dêem sombra e frutos, oferecendo abrigo e antídotos,para as infermidades dos homens.


Sonho com dias,em que todo o sonho para o bem da humanidade,seja realizável.


E que o reino da utopia se estabeleça.


trazendo de volta a esperança,no coração,daqueles que sinceramente o buscam em verdade.






Alex Paiva

segunda-feira, 26 de maio de 2008

O fruto do evangelho é vida e paz

Uma síntese do evangelho,pregada por Caio Fábio,na estação do caminho da graça em Brasília.

Alex Paiva



sábado, 24 de maio de 2008

Causa homossexual X justiça de Deus-Um Prelúdio à parada gay



Neste domingo próximo,dia 25 de maio ocorre em São Paulo,na avenida paulista,um evento muito aguardado por militantes gays e simpatizantes: A"parada gay".


Todavia,este evento,consegue cutucar as entranhas preconceituosas fundamentalistas, de religiosos,dito cristãos,que não exercem de misericórdia e amor,mas,sim,com ódio,com muito ódio, por ferirem suas conciências formatadas pela idéia de um Deus pagão,furioso e vingativo que delega-os à uma "guerra santa", contra o mundo,e da implantação de seus padrões tiranos,ainda que seja necessário matar.


Alex Paiva


SOBRE A CAUSA HOMOSSEXUAL, A JUSTIÇA DE DEUS E AS BANDEIRAS DA IGREJA


I


"Sobre a vida que não vivi;


Sobre a morte que não morri;


Sobre a morte de outro, a vida de outro,


Minha alma arrisco eternamente.


" O inferno para qual mandam os homossexuais é o mesmo no qual habitarão todos os chamados "injustos", conforme I Coríntios 6 .
Sim, "não herdarão o Reino": os impuros (sabe aquele pessoal que se contamina com tudo que sai de dentro de si mesmo?), os adoradores de outros deuses (sejam os que adoram as figuras do panteão católico ou hindu, sejam os que idolatram Mamom - deus da mais "afortunada" teologia evangélica), os adúlteros (aqueles que mesmo "ao olharem para uma mulher com intenção impura no coração já adulteraram com ela"), além dos que roubam – os trapaceiros e oportunistas, dos que maldizem despudoradamente, dos que se embriagam e se entregam aos excessos, dos que cobiçam e não repartem (melhor escrever assim, porque o termo 'avarento' ninguém admite, ninguém o é, até porque a avareza também cega a percepção de quem só vê o umbigo...), e claro, puxando a fila, os gays, lésbicas e simpatizantes! – numa verdadeira marcha rumo à justa condenação!
O que a "Apologia Homocentrada" não percebe é que essa relação de Paulo contém os "tipos existenciais" presentes na sociedade de Corinto.


Hoje, muito provavelmente, o escritor inspirado incluiria pedófilos e corruptos – execrados contemporâneos - no mesmo time de praticantes da injustiça contra a alma humana e contra a criação divina.


Sim, os coríntios são maquetes das doenças dos homens.
São arquétipos da Queda, eles são a escalação da nossa feiúra.
São símbolos de tudo que existe dentro de nós, ao menos em potencial.
E a igreja de Corinto é uma representação do que acontece com a experiência comunitária quando o direito ao juízo se arvora como bandeira vergonhosa, quando o senso de justiça produz personalidades melindradas e relações litigiosas entre irmãos intolerantes, que para se proteger do dano sofrido o devolvem num toma-lá-da-cá que só vai aumentando.
Quando o juízo triunfa, a beligerância cresce, para desapontamento do apóstolo (Leia como Paulo introduz o assunto dos "injustos sem herança" desde o primeiro verso desse capítulo seis e você entenderá tudo, se quiser).
Esses tais que o apóstolo descreve e adverte com tiradas irônicas são os mesmos que ele chama de "injustos", segundo o polêmico texto (Texto eleito como um dos estandartes fundamentalistas contra o ativismo gay, mas que podia muito bem também servir para puxar o coro contra o individualismo pós-moderno, por exemplo, pois os não-generosos estão no mesmo barco paulino rumo à perdição!).
Bom... Tais in-justos... os não-justos... ficarão de fora junto com "os cães, feiticeiros, os adúlteros, os assassinos" e todo esse pessoal da pesada, conforme acrescenta o Apocalipse .
Injustos – segundo o espírito do Evangelho de Paulo - são todos os que não foram justificados, pois justo MESMO ninguém é... Não há UM sequer! Não é? Os injustos são os que foram convidados para a Festa, mas não quiseram ir. São também representados pelo convidado que foi, mas não se vestiu da Justiça do Anfitrião - achando que se bancava na "carteirada"! Injusto, é quem não volta justificado para sua casa, mesmo depois da oração-currículo-comparação (Lucas 18. 9-14). Injusto é esse cara que dá graças a Deus de "não ser como este outro!"

II - A Condenação Preventiva

Meus irmãos, não está claro que o versículo selecionado como uma base legal para o julgamento antecipado do mérito homossexual é o mesmo que nos condena a todos - a não ser que TODOS se encontrem "lavados... santificados... e justificados em nome do Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus"? – conforme o mesmo texto?
Não sabem que todos pecaram e todos estão carentes até que estejam sob cobertura do Sangue Daquele que tira o pecado do mundo? Não percebem que ninguém foi aprovado? Não percebem que somos todos nós listados ali?
Amigos, eu não estou atenuando pecados, ao contrário, estou expondo-os:
Homossexuais precisam parar com essa viadagem como eu preciso parar de mentir, de enrolar, de brigar pelo poder, de idolatrar a grana, de tirar do outro o que é dele ou cobiçar-lhe a mulher gostosa!
É simples: Quem "olhou" para uma mulher é merecedor do mesmo inferno que aqueles que se deitaram com um homem!

Você não vê que o que Paulo está dizendo é que todos nós estamos fora até que Alguém nos ponha para dentro? Daí os injustos não herdarem o Reino; pois "ninguém será justificado diante Dele" (Rm 3:20) com justiça própria. E quem não é por Ele justificado, morrerá em seus pecados.
Do ponto de vista do Evangelho, portanto, os justos não são justos, eles são ímpios agora justificados. São ramos enxertados, são filhos adotados, são ovelhas de outro pasto, são salvos pelo "gongo": "Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso!!!"
Mas quem pode agüentar o escândalo de Amor que se vislumbra nos encontros humanos com um Salvador que justifica ímpios, embora não recompense hipócritas??? Que "filho mais velho" há de suportar as "injustas" parábolas da Graça sem espernear, já que a "felicidade" dele depende da não-aceitação do outro no mesmo seio paterno, pois ele só se concebe justo e merecedor do amor e da herança visto "nunca ter transgredido um só dos mandamentos!"
Segundo o filho fundamentalista, felicidade maior do que ir para o céu, e ir sem que "esse outro teu filho" vá! Em paralelo, os "justos" da religião gozam com a condenação dos "ímpios" que gozaram com a vida enquanto os primeiros se reprimiam!

III - A conversão de Sodoma Sim, mas nas narrativas dos evangelhos tais "ímpios" salvos se arrependeram, irmão Marcelo? - alguém dirá. É verdade! A questão não é essa.

A questão é: Como se arrependeram? Qual a jornada rumo ao arrependimento empreendida por publicanos, meretrizes e pecadores que O cercavam? Faça um exercício de mínima acuidade textual...
Volta lá e procura uma única narrativa na qual eles se arrependeram antes de terem sido amados, antes de terem sido alvejados pelo Amor Incondicional do Deus Encarnado, antes de terem sido por Ele acolhidos, reconciliados, chamados e servidos! Sim, mostre um único texto onde Ele não nos amou primeiro!
Mostre um! "Eu não me arrependo para ser perdoado, eu me arrependo porque fui perdoado!" O arrependimento só se faz possível porque há perdão disponível! Isso é claro como a luz do sol, mas quem pode olhar para ele? Quem, em "sã" consciência religiosa, pode suportar tal "heresia"?
É por isso que as próximas manifestações do Amor de Deus na Terra serão clandestinas à igreja que O representa! O Evangelho crescerá à margem porque a igreja provou-se excessivamente "justa": Quando chama, ameaça; quando recebe, segrega; quando converte, clona; e quando santifica, infla o indivíduo de si próprio!
Daí cruzarem os mares para fazer um prosélito e o tornarem duas vezes mais merecedor do inferno; pois agora ao pecado comportamental juntou-se o cinismo e a hipocrisia religiosa! Dessa forma, percebo com pesar que aqueles que mandam descer fogo do céu sobre os homossexuais não sabem de que espírito são! O Filho do Homem veio salvar, ainda. Veio buscar a mim e a eles, visto sermos todos iguais.
Os segredos dos corações dos homens ainda não foram revelados e a História ainda não acabou; contudo a "igreja" impôs-se a incumbência de passar o restante dela julgando preventivamente, querendo administrar o caos, nominar-se trigo, classificar o joio, organizar a Queda.
Sinceramente, penso que a cristandade segue aperfeiçoando sua "herança romano-puritana" de domar genitálias alheias, como quem circuncida gentios para apresentá-los diante da Santa igreja em Jerusalém, a fim de torná-los palatáveis dentro de nossas Sinagogas Cristãs... Mas Deus não precisa da igreja.
Aleluia! Deus não é doido!
O fator Melquisedeque está em operação: zaqueus, levis, madalenas, pedros, ladrões e até nicodemos da vida,são atraídos pelo Perdão que dá herança nos Céus e não pela ameaça do fogo do Inferno.
Jesus não faz a Pedagogia do Terror! E toda vez que se aproxima dela e na direção do pessoal da "carteirada" ou é para dizer que haverá menor juízo para sodomitas do que para as cidades abrâmicas que testemunharam o amor de Deus e não se curvaram sobre Seus pés e nem O lavaram com lágrimas! Porque se aqueles des-graçados de Gomorra tivessem tido a experiência da Dádiva desmedida em Jesus, há muito já teriam se convertido!!!!
Então, saibam todos: milagres serão realizados em Sodoma, sinais acontecerão em Gomorra! E então virá o fim! Aí muitos e muitos e muitos virão do Ocidente e do Oriente e sentar-se-ão à Mesa com Abraão, Isaque e Jacó!!!

IV - Nossa Bandeira também tem muitas cores!

E se eu e você quisermos participar desse derramamento do Espírito sobre toda carne, é melhor mudar o coração; e ao contrário de sair em defesa de Deus por que não sair às ruas com Deus?
Proponho o fim de toda bandeira cristã!
Alguém já disse que aqueles que estão crucificados não têm mãos disponíveis para levantar bandeiras! Não temos bandeiras a não ser o Evangelho! Nossa bandeira é a Reconciliação.
Esse é nosso ministério, isto é, "Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não imputando aos homens os seus pecados, e nos confiou a Palavra da Reconciliação. De modo que somos Embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse ao mundo...: Reconciliem-se comigo! [Isso é possível, porque]... Aquele que não conheceu pecado, Ele o fez pecado por nós, para que Nele fôssemos feitos justiça de Deus!"

Quem entendeu, entendeu; quem não entendeu, distorça tudo! "... o Seu estandarte sobre mim é o amor!" Cantares 2.4

V - A Embaixada da Reconciliação e a Utopia do Evangelho

Sugiro mudar a pauta, então. Mudar o tom. Mudar o discurso. Abaixar as mãos. Todos fomos flagrados em falta! Sugiro, então, o abraço ao diferente, a amor ao "torto", o acolhimento do equivocado, a inclusão da turba marginalizada em quase dois mil anos de uma igreja preocupada em fazer justiça.
Nem a gente se agüenta mais... Vamos virar a página! Sugiro que os mais des-graçados sejam os mais abraçados! Sugiro que larguemos as pedras da intolerância e a linguagem da ufania! Sugiro que pitbulls da severidade e poodles raivosos abandonem a arena... Sugiro que o ranger dos dentes ativistas dê lugar a um simples sorriso de paz! Sugiro que ao corpo se dê um pouco mais de alma! Sugiro a Calma.
Sugiro o final do juízo até que ele comece.
Suplico que os discípulos de Jesus sigam Jesus! E não per-sigam seus semelhantes tão distintamente semelhantes.
E amem o mundo até o limite do insuportável! E amem o mundo até o mundo odiar o amor! E amem o mundo até brilhar o SOL DA JUSTIÇA! - A "justiça" que vem pela fé no Filho de Deus! Arrisquem-se, pelo Amor de Deus! Vamos precisar de todo mundo! Amar não nos tornará cúmplices de ninguém e de nada! Deus é amor!

"(...) toda Terra se encherá da Glória do Senhor, como as águas cobrem o mar. Naquele dia, as nações perguntarão pela raiz de Jessé, posta por Estandarte dos Povos, e o lugar do seu repouso será glorioso!" Isaías 11.9-10

Marcelo Quintela

"A gente espera do mundo e o mundo espera de nós um pouco mais de paciência!"

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Uma abordagem biblico-histórica acerca dos dons de serviço,na igreja primitiva


A estrutura de liderança hierárquica que caracteriza a igreja Ocidental, deriva de uma mentalidade posicional. Esta maneira de pensar outorga autoridade em termos de espaços a alcançar, descrições objetivas de trabalho a realizar, títulos para exibir, e postos que fazem valer seus privilégios.

A maneira de pensar posicional revela um grande interesse por estruturas explícitas de liderança.Termos tais como "pastor", "ancião", "profeta", "bispo", etc, são títulos que representam ofícios eclesiásticos.Ou seja, um ofício é um espaço definido pelo grupo. Tem uma realidade alheia à pessoa que o ocupa.
Também possui uma realidade alheia às ações que a pessoa realiza nesse oficio.Por contraste, a noção de liderança do NT está arraigada em uma mentalidade funcional. Descreve a autoridade em termos de como as coisas operam organicamente. Ou seja, funcionam por meio da vida em Deus.

A liderança descrita no NT atribui um alto valor aos dons especiais, a maturidade espiritual e o serviço sacrificado de cada membro. Enfatiza as funções em vez dos ofícios, as tarefas em vez dos títulos.
Seu interesse principal está em atividades tais como pastore-ar, profetiz-ar, supervis-ar, etc. Em outras palavras, o pensamento posicional se apaixona pelos substantivos, enquanto que o pensamento funcional acentua os verbos.

Na ênfase posicional, a igreja deve modelar-se segundo as estruturas corporativas empresariais e militares de nossa cultura. Na ênfase funcional, a igreja opera por meio da vida.
O ministério mútuo surge de maneira natural. A estrutura e o ranking estão ausentes.É comum às igrejas orientadas pela tendência posicional/hierárquica a existência de uma maquinaria política que funciona de trás do cenário, que promove diversas pessoas a posições de poder eclesiástico.

Habitualmente nas igrejas orientadas funcionalmente se manifesta a responsabilidade mútua e a interação colegiada de seus membros. Escutam juntos ao Senhor e se afirmam mutuamente em dons que recebem do Espírito.Em suma, a orientação que o NT imprime à liderança é orgânica e funcional.
Por outro lado, a orientação da liderança posicional/oficial é fundamentalmente mundana. Existe uma afinidade natural entre a orientação posicional/hierárquica e o conceito de "cobertura protetora".

Jesus e a Idéia de Liderança Gentílica/Política

O ministério de Jesus com respeito à questão da autoridade,clarifica os temas fundamentais que estão por trás da moderna doutrina da "cobertura". Consideremos como o Senhor contrastava o modelo hierárquico de liderança do mundo gentílico com a liderança no reino de Deus.

Depois que Jacobo e João lhe pediram que lhes concedesse altas posições de poder e glória ao seu lado no Seu trono, Jesus os contestou dizendo,Vocês sabem que os governantes das nações AS DOMINAM, e as pessoas importantes EXERCEM PODER sobre elas. NÃO SERÁ ASSIM ENTRE VOCÊS; ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo, como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos. (Mat. 20:25-28)E mais uma vez,...Os reis das nações DOMINAM sobre elas, e os que EXERCEM AUTORIDADE sobre elas são chamados de benfeitores; MAS VOCÊS NÃO SERÃO ASSIM.

Ao contrário, o maior entre vocês deverá ser como o mais jovem, e aquele que governa como o que serve. Pois quem é maior, o que está à mesa, ou o que serve? Não é o que está à mesa? Mas eu estou entre vocês como o que serve.(Luc. 22:25-27).A palavra grega traduzida por "exercem sua autoridade" em Mateus é katexousiazo que é uma combinação de duas palavras gregas: katá, que significa sobre, e exousiazo, que significa exercer autoridade.
O Senhor também utiliza nesta passagem a palavra grega katakurieuo que significa"controlar" ou "dominar" aos demais. O que Jesus condena nestas passagens não é apenas os líderes opressores como tais, mas a forma hierárquica de liderança que domina o mundo gentílico.

Isto merece ser repetido:

Jesus condenou não apenas os líderes tirânicos, condenou também a própria forma de liderança hierárquica!Qual é a forma hierárquica de liderança?

É o estilo de liderança fundado na idéia pobre de que o poder e a autoridade fluem de cima para baixo. Essêncialmente, está construída em uma estrutura social de cadeia de comando.A liderança hierárquica está baseada em um conceito mundano de poder.

Isto explica porque esta fórmula é comumente usada em todas as burocracias tradicionais. Está presente nas formas corruptas do feudalismo senhor/vassalo e amo/escravo. Também pode ser vista nas esferas altamente estilizadas e reguladas das sociedades militares e empresariais do primeiro mundo.

O estilo de liderança hierárquico, mesmo que não seja cruel, é prejudicial para o povo de Deus,porque reduz as relações humanas a associações estilo comando. Com isto quero dizer que as relações se ordenam na forma de uma estrutura militar do tipo cadeia de comando. Estas relações são alheiras à prática e ao pensamento do NT.

A liderança hierárquica está estabelecida em todas as esferas da cultura pagã. Lamentavelmente foi adotada pela maioria das igrejas cristãs de nossos dias.Resumindo o ensino de nosso Senhor acerca deste estilo de liderança, tornam-se evidentes estes marcantes contrastes.

No mundo gentílico, os líderes operam sobre a base de uma estrutura social política, tipo cadeia de comando - uma hierarquia. No reino de Deus, a liderança flui da mansidão e do serviço sacrificado.

No mundo gentílico, a autoridade está baseada na posição e no ranking. No reino de Deus, a autoridade está cimentada no caráter piedoso. Note a descrição que Cristo faz dos líderes:"será vosso escravo" e "seja... como o menor". Aos olhos do Senhor, ser precede ao fazer, e o fazersurge do ser. Em outras palavras, a função segue o caráter. Os que servem, fazem assim porque são servos.

No mundo gentílico, a grandeza se mede pela proeminência, pelo poder externo e pela influência política. No reino de Deus, a grandeza se mede pela humildade interna e pelo serviço externo.

No mundo gentílico os líderes se aproveitam de suas posições quando governam os demais. No reino de Deus os líderes rechaçam toda classe de reverência especial e vêem a si mesmos como"o menor".Em suma, as estruturas hierárquicas de liderança caracterizam o espírito dos gentios.

Portanto, a implantação destas estruturas entra em choque com o cristianismo do NT. Nosso Senhor não exitou quando declarou Seu implícito desprezo pela noção gentílica de liderança, porque claramente disse: "não será assim entre vocês".

Considerando tudo isso, no ensino de Cristo não há lugar para o modelo de liderança hierárquica que caracteriza a moderna igreja.

Jesus e o Modelo de Liderança Judaico/Religioso
Jesus também contrastou a liderança no reino com o modelo de liderança que caracteriza o mundo religioso.

No texto adiante, o Senhor expressa vividamente a perspectiva de Deus com respeito à autoridade, em contraste com o conceito judaico:Mas vocês não devem ser chamados 'rabis'; um só é o Mestre de vocês, E TODOS VOCÊS SÃO IRMÃOS. A NINGUÉM NA TERRA CHAMEM 'PAI', porque vocês só têm um Pai, aquele que está nos céus. TAMPOUCO VOCÊS DEVEM SER CHAMADOS 'CHEFES', porquanto vocês têm um só Chefe. O Cristo.

O maior entre vocês deverá ser servo. Pois todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado. (Mat. 23:8-12).
O ensino de Cristo nesta passagem é o seguinte:

No clima religioso dos judeus existia um sistema de classes formado por religiosos, especialistas do tipo guru, e os não especialistas. No reino, todos são irmãos da mesma família.
No mundo judaico, aos líderes religiosos são outorgados títulos honoríficos (por exemplo,Chefes, Pai, Reverendo, Pastor, Sacerdote, Ministro, etc.). No reino não há distinções de protocolo. Estes títulos obscurecem o incomparável lugar de honra que corresponde a Jesus e empana a revelação do NT que contempla todos os cristãos como ministros e sacerdotes.

No mundo judaico, os líderes são elevados a posições de proeminência em uma posição de poder.No reino, os líderes encontram seu trabalho no parâmetro simples do serviço e na modesta convicção da humildade.

No mundo judaico, a liderança se fundamenta no status, nos títulos e na posição. No reino, a liderança está arraigada na vida interior e no caráter. (Nesse mesmo tom, a mania tão comum de outorgar "doutorados" honoris causa a um incontável número de clérigos,é apenas um exemplo de como a igreja moderna reflete aqueles valores de liderança que vão contra o reino de Deus).

Em suma, há um grande abismo entre a liderança segundo Jesus e o que vemos na maioria das modernas igrejas. O Senhor imprimiu um golpe de morte aos modelos de liderança gentílicos/hierárquicos e judaicos/posicionais.

Estes modelos que incham o ego são incompatíveis com a simplicidade da igreja primitiva e o reino de Jesus Cristo. Ambos sistemas impedem o progresso do povo de Deus, eliminam a funcionalidade do sacerdócio dos crentes, rompem a imagem da igreja como uma família, e põe severas limitações ao Governo de Cristo. Por estas razões "não será assim" entre os que levam o nome do Salvador.

Os Apóstolos e a Liderança Posicional/Hierárquica

Não há dúvidas de que nosso Senhor condenou as estruturas de liderança posicionais/hierárquicas.Mas, e quanto a Paulo e outros apóstolos?Contrariamente à idéia popular, as cartas do NT nunca falam dos líderes da igreja em termos de"ofícios" e outros convencionalismos da organização social humana. (Um pouco mais adiante trataremos com as várias passagens que alguns usam para respaldar os "ofícios" eclesiásticos).

Sempre que o NT descreve aqueles que são principalmente responsáveis pela supervisão espiritual, se refere ao trabalho que desempenham. Por esta razão, domina a linguagem funcional. Os verbos são proeminentes.Os episcopos [episkópois = palavra que descreve a pessoa com função pastoral] locais,são chamados anciãos e supervisores (Tito 1: 5-7). Isto se deve ao fato de que cumpriam com seu labor enquanto anciãos, atuando como modelos de maturidade para os menos maduros (1 Ped. 5.3). Também supervisavam - cuidavam do bem estar espiritual da igreja (1 Ped. 5:2).A tarefa dos anciãos também se descreve por meio da metáfora do "pastor" (Atos. 20:28; 1 Ped.5:1-4). Isto se deve ao fato de serem vigilantes, do mesmo modo que os pastores, em seu sentido literal,cuidam das ovelhas.

Por conseguinte, se igualamos os episcopos a um espaço sociológico (um ofício) corremos um considerável risco. Temos que restringir o termo "pastor" a seu significado essencial (alguém que se ocupa de ovelhas). Também devemos restringir o vocábulo "ancião" a seu significado básico (um homem idoso). Sem deixar de mencionar que é necessário fazer o mesmo com a palavra "provedor" (alguém que provê cuidado aos outros).

É importante levar em conta que todos os cristãos participam da liderança corporativa. Cada membro dirige quando exercita seu dom espiritual. Como está demonstrado em Repensando os Odres, a direção e a tomada de decisões pertence a toda igreja. A supervisão vem dos anciãos na medida em que surgem (e isto leva um tempo).O rol dos Anciãos/Supervisores.No idioma grego, ancião (presbíteros) simplesmente significa um homem idoso. Por conseguinte,um ancião é um santo maduro ou um irmão mais velho.

Os anciãos do NT, por conseguinte, eram simplesmente homens espiritualmente maduros -Cristãos exemplares que supervisionavam (não controlavam nem dirigiam) os assuntos da igreja local.Os anciãos não eram figuras decorativas da organização, pregadores assalariados, clérigos profissionais nem altos funcionários eclesiásticos. Simplesmente eram irmãos mais maduros (anciãos de fato) levando a cabo funções reais (pastor-eando, supervision-ando, etc.).

Seu labor principal era triplo: ser modelos de serviço na assembléia, motivar aos santos para as obras de serviço e modelar o desenvolvimento espiritual dos crentes mais jovens (1 Pe. 5:1-3). Os anciãos eram também os que lidavam com situações difíceis na igreja (Atos 15:6ss).Mas os anciãos nunca tomavam decisões pela igreja. Como descrevo em meu livro Repensando os Odres, o método do NT para a tomada de decisões não era ditatorial nem democrático, mas consensual e envolvia todos os irmãos e irmãs.Como vigilantes, os anciãos supervisionavam a obra dos demais (em vez de substituí-la). Oravam com os olhos abertos e tinham suas antenas espirituais constantemente erigidas para descobrir e enfrentar os lobos.

Como homens de mais idade, sua sabedoria era procurada em tempos de crise, e quando falavam, suas vozes tinham o peso da experiência.Dotados de um coração de pastor, os anciãos levavam continuamente as cargas da igreja.Ajudavam a guiar, proteger e alimentar os crentes mais jovens até que estes pudessem caminhar pelos próprios pés.Falando de maneira simples, os anciãos eram facilitadores espirituais que proporcionavam direção,abasteciam de alimento, e alentavam o compromisso entre os membros e a igreja. Ser ancião, portanto, é algo que alguém faz em vez de um espaço que alguém ocupa ou uma cadeira que alguém senta.

O NT confirma isto bem claramente; porque se Paulo e os outros apóstolos desejassem descrever os líderes da igreja como ocupantes de cargos oficiais, teriam a disposição numerosos termos gregos que poderiam ter utilizado para isso.

Portanto, é bem significativo que os seguintes termos gregos estejam ausentes do vocabulário eclesiástico dos apóstolos:

o Arjé (chefe, governante, oficial de tropa)o time (um oficial ou dignatário)o telos (o poder inerente de um governante)o arjisinágogos (oficial da sinagoga)o hazzan (líder da adoração pública)o taxis (posto, posição ou ranking)o hieratéia (oficio de um sacerdote)o arjón (governante ou principal).

O NT nunca emprega nenhuma destas palavras para descrever líderes na igreja. Como sucede com Cristo, a palavra favorita dos apóstolos para descrever líderes da igreja é diákonos -que significa servidor ou ajudante.A tendência de referir-se aos líderes-servos da igreja como ocupantes de cargos oficiais e clérigos profissionais contrasta com seu verdadeiro significado na linguagem bíblica e impossibilita o sacerdócio dos crentes.


O Problema do Moderno Rol Pastoral Pela mesma razão, a noção comumente aceita do "pastor único" (um só pastor) entra em choque com a noção do NT. Não há uma palavra na Bíblia que descreva alguém no timão de uma igreja local,dirigindo seus assuntos, pregando a cada domingo, conduzindo batismos, e oficiando o serviço da comunhão (ou Ceia do Senhor).

O "rol pastoral" profissional altamente especializado do moderno protestantismo é uma novidade pós-bíblica que evoca uma tradição sacerdotal inventada pelos homens.

Em sua essência é uma herança do romanismo (o sacerdote) que reflete os pobres e débeis elementos da economia levítica.O rol pastoral é tão pernicioso que perverte a muitos que ocupam tal posição. Os que são seduzidos por símbolos do êxito que rodeia o clericalismo profissional, sempre terminam sendo virtualmente corrompidos por ele. Deus nunca chama ninguém para que carregue sobre seus ombros o pesado encargo de ministrar as necessidades da igreja.

Quiçá a característica mais desalentadora do moderno rol pastoral é que mantém na infância espiritual as pessoas que afirma servir. Na medida em que o rol pastoral usurpa o direito do crente de ministrar de uma maneira espiritual, termina deformando o povo de Deus, fazendo-o débil e inseguro.Claro que muitos que atuam neste rol o fazem por razões saudáveis, e não são poucos aqueles que desejam sinceramente que seus irmãos assumam uma responsabilidade espiritual. (Muitos pastores vivem com esta frustração, mas poucos relacionam o problema com sua profissão).Assim, pois, o moderno ofício de "pastor" sempre sufoca e arrebata o poder do sacerdócio dos crentes, sem levar em conta o quão fora de controle pode chegar a ser a pessoa que alcança esta posição.

Na medida em que o pastor assume a carga de trabalho, a maioria dos irmãos mergulha na passividade, pesarosos e egoístas deixam de crescer espiritualmente. Desta maneira, é inevitável que pastores e congregações terminem igualmente convertendo-se em inválidos espirituais, inutilizados por este oficio antibíblico.

O NT chama Paulo de "apóstolo", Filipe de "evangelista", Manaén de "mestre" e Agabo de"profeta", mas nunca identifica alguém como pastor! De fato, a palavra "pastor" é utilizada apenas uma vez em todo o NT (veja Efésios 4:11). "Pastor" é usado como metáfora descritiva, nunca como título ou oficio eclesiástico. Isso não é levado em conta na prática comum. Em nossos dias o "pastor" é tido como a figura mais valiosa da igreja, e seu nome brilha com destaque nas igrejas em todas as partes da União Estadunidense. (É de se perguntar porque os nomes dos outros ministérios não aparecem nestas luminárias quando o NT lhes outorga bem maior atenção).O rol pastoral moderno sufoca a Chefatura de Jesus Cristo e tem um efeito espiritual paralisante na igreja. Despoja-a de sua plena função sacerdotal (de todos os crentes) tão amada por Deus.

Além disso, a própria presença do pastor dilui e afoga os crentes "ordinários" que são igualmente talentosos para pastorear e ensinar o rebanho. (Não percebem o fato de que a Bíblia ensina que cada igreja deve ter múltiplos pastores e que todos os membros têm a responsabilidade pastoral).

Tipicamente, se alguém, que não seja o pastor, se atreve a pastorear ou ensinar as ovelhas (mesmo se esse alguém é digno de confiança, maduro e espiritualmente inteligente), o pastor se sentirá ameaçado e o colocará de lado com o pretexto de "proteger" o rebanho.Sendo mais específico e direto, a idéia que se tem hoje em dia do "pastor" está bem distante do pensamento de Deus. Impõe à dinâmica da comunidade do NT a camisa de força do Antigo Testamento.
Entretanto,apesar das tragédias espirituais que isto engendra, as massas continuam dependendo,defendendo e insistindo na existência deste rol tão antibíblico. Por esta razão os chamados "leigos" são tão responsáveis pelo problema do clericalismo como o próprio "clero". Como diz Jer. 5.31, "os profetas profetizam mentiras, os sacerdotes governam por sua própria autoridade, e o meu povo gosta destas coisas.

Mas o que vocês farão quando tudo isso chegar ao fim?"Falando com toda franqueza, os cristãos preferem a comodidade de ter alguém de fora encarregado da responsabilidade do ministério e pastoreio. Para eles, é melhor pagar um especialista religioso que atenda às necessidades dos irmãos, do que se molestar com as demandas espirituais do serviço e cuidado pastoral, coisas que podem colocar em risco a própria vida.

As palavras do antigo profeta captam o desgosto do Senhor com esta maneira de pensar: "Eles instituíram reis sem o meu consentimento, escolheram líderes sem a minha aprovação." (Ose 8:4a).À luz destes graves fatos, alguém pode perguntar inteligentemente como é que o moderno rol pastoral continua sendo a forma geralmente aceita de liderança na igreja de hoje. A resposta está profundamente arraigada na historia da Reforma, e continua sendo reforçada pelos imperativos culturais atuais.

Nossa obsessão Ocidental no século XX por ofícios e títulos nos levou a contrapor nossas próprias idéias sobre ordem eclesiástica às do NT.
Não obstante, o espírito e os valores das epístolas do NT militam contra a idéia do sistema de um único pastor, assim como do ancião, enquanto oficio.A Escritura igualmente milita contra o conceito de "pastor principal", que consiste na prática comum de elevar um dos pastores (anciãos) a uma posição proeminente de autoridade. Mas o NT em parte alguma aprova a noção de primos inter pares - "primeiro entre iguais". Certamente não de uma maneira oficial ou formal.Esta ruptura entre "o pastor" e os demais anciãos é um acidente da historia.
Na medida em queisto se encaixa perfeitamente bem com nossa maneira aculturada de pensar Ocidental, os crentesmodernos não têm problema em crer que a Escritura ensina esta falsa dicotomia.Em suma, o moderno rol pastoral é pouco mais que uma mescla de liderança, administração,psicologia e oratória do tipo "um-pacote-para-tudo"; tudo em um único pacote para o consumo religioso.Como tal, o rol sociológico do pastor, como se pratica no Ocidente, tem poucos pontos de contato comalgo ou alguém do NT.

O Dramático Desprezo com que o Novo Testamento Trata os Líderes

As cartas de Paulo têm muito a dizer com respeito à importância de uma vida exemplar, mas nãomostram interesse no cargo titular ou formal. Este fato merece muito mais atenção do que até agorarecebeu.Considere o que segue.

Cada vez que Paulo escrevia a uma igreja em crise sempre se dirigia àprópria igreja em vez de dirigir-se a seus líderes. Esta prática é constante desde a primeira até a última desuas epístolas. (Note que as "Epístolas Pastorais" - 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito - foram escritas para oscolaboradores apostólicos de Paulo e não para as igrejas).Permita-me repetir isso.

Cada vez que Paulo escrevia uma carta a uma igreja, ela era dirigida a toda igreja. Paulo nunca escreveu a um líder ou a líderes! Gálatas 1: 1-2: Paulo, apóstolo enviado, não por parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas por Jesus Cristo e por Deus. . . às igrejas da Galácia. 1 Tessalonicenses 1:1: Paulo, Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses... 2Tessalonicenses 1:1: Paulo, Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses, em Deus nosso Pai e no Senhor Jesus Cristo... 1 Coríntios 1:1-2: Paulo, chamado para ser apóstolo de Cristo Jesus pela vontadede Deus. . . à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados paraserem santos, juntamente com todos os que, em toda parte, invocam o nome de Nosso Senhor JesusCristo, Senhor deles e nosso. 2 Coríntios 1:1: Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à igreja de Deus que está em Corinto, com todos os santos de toda a Acaia. Romanos1:1,7: Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus. . .a todos que em Roma são amados de Deus e chamados para serem santos. Colossenses 1:1: Paulo,apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, aos santos e fiéis irmãos em Cristo Jesus que estão em Colossos. Efésios 1:1 Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, aos santos e fiéis em Cristo Jesus que estão em Éfeso. Filipenses 1:1: Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os bispos (episkópois = vigilantes) ediáconos (diakónois = servidores).É notável observar que cada igreja a que Paulo escreveu estava em crise (exceto a de Éfeso). Nãoobstante, Paulo nunca recorre aos anciãos de nenhuma delas!Tomemos Corinto, por exemplo, a igreja com maiores problemas que se menciona no NT.

Emtoda a correspondência aos Coríntios, Paulo não se dirige aos anciãos, nem lhes repreende, nemrecomenda que se lhes obedeça. De fato, nem mesmo os menciona!Em vez disso Paulo recorre a toda a igreja. Lhes mostra que sua responsabilidade é tratar com asferidas que a igreja infringiu a si mesma. Paulo encarrega e implora "aos irmãos" mais de trinta vezes em1 Coríntios, e lhes escreve como se não existissem cargos oficiais.Se existissem cargos oficiais em Corinto, Paulo certamente se dirigiria a eles para quesolucionassem os males. Mas nunca faz isso.

No final da carta, conclama os Coríntios a se colocarem a disposição de Estefanas, que se havia dedicado a servir aos crentes. Em seguida, amplia este grupo,incluindo "todos os que cooperam e trabalham conosco". (1 Cor. 16:15-16).Note que Paulo enfatiza a função, nunca a posição. Dirige a ênfase a toda a igreja. A totalidade da carta aos Coríntios é uma súplica a toda a assembléia para que se encarregue de resolver seus próprios problemas.Provavelmente, o exemplo mais claro da ausência de anciãos-com-cargos-oficiais em Corinto seencontre em 1 Coríntios 5. Ali Paulo convoca toda a igreja para disciplinar um membro caído entregandooa Satanás (1 Cor. 5:1ss.). Sua exortação se opõe à idéia bem em voga de que apenas os que possuem"poder eclesiástico" estão qualificados para estas delicadas tarefas.A diferença na maneira com que Paulo considera aos anciãos e a forma como as igrejas modernas os consideram é extraordinária. Paulo não menciona os anciãos nem mesmo uma única vez em nenhuma de suas nove cartas às igrejas! Incluindo seu tratado ultra corretivo aos Gálatas.

Pelo contrário, Paulo persistentemente insta aos "irmãos" à ação.Na última carta que dirige a uma igreja, Paulo finalmente menciona os episcopos em uma saudação inicial, e de uma maneira bem breve. Saúda aos episcopos somente depois de saudar toda a igreja (Fil.1.1).

Esta tendência é notável no livro aos Hebreus. Ao longo de toda epístola o escritor se dirige a toda igreja. Somente no final da carta e de maneira informal pede aos santos que saúdem seus episcopos (Heb.13:24).Em suma, a evidente falta de atenção que Paulo dá aos líderes da igreja demonstra que rechaçava a idéia de que certas pessoas na igreja possuíam direitos formais sobre outras. Também se destaca o fato de que Paulo não cria em cargos oficiais eclesiásticos.

As cartas de Pedro ensinam o mesmo. Como Paulo, Pedro escreve suas cartas às igrejas, e nunca a seus líderes. Concede um espaço limitado aos anciãos, e quando o faz, lhes adverte que não adotem oespírito dos Gentios.

Enfatiza especialmente que os anciãos estão em meio ao rebanho e não sobre ele (1Pedro 5:1-2).Aos anciãos diz que não devem agir como dominadores (katakuriéuo) sobre os que estão a seu cuidado (1 Ped. 5.3). De modo significativo, Pedro usa a mesma palavra que Jesus empregou em sua discussão acerca da autoridade. Estas foram exatamente Suas palavras: ". . . os governantes das nações as dominam (katakuriéuo). . . não será assim entre vocês" (Mat. 20:25).Encontramos esta mesma ênfase no livro de Atos.

Ali Lucas conta a historia de como Paulo exortava aos anciãos de Éfeso: "cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho no meio do qual o Espírito Santo os colocou como episcopos..." (Atos 20:28 NASB). Note que os anciãos estão "no meio", e não"sobre" o rebanho.

Tiago, João e Judas escrevem no mesmo tom. Dirigem suas cartas às igrejas e não aos líderes. Tem bem pouco a dizer acerca da liderança e nada a dizer acerca dos anciãos como ocupantes de cargos oficiais.Por conseguinte, é bem claro que o NT rechaça sistematicamente a noção de cargos oficiais eclesiásticos na igreja. Nesta mesma linha minimiza grandemente o rol dos anciãos

.Anciãos versus Irmandade Faríamos bem em perguntar a razão pela qual o NT concede tão pouco espaço aos anciãos das igrejas. A razão, quase sempre ignorada e que soa estranha aos ouvidos institucionais é simplesmente esta: a maior parte da responsabilidade do cuidado pastoral, do ensino e do ministério na ekklesia descansa diretamente sobre os ombros de todos os irmãos e irmãs!As riquezas da perspectiva do Corpo de Cristo que emana da visão de Paulo se deriva de sua ênfase constante em que cada membro possui um dom do Espírito (1 Cor. 12:7,11), tem um ministério e é um"crente responsável" no Corpo (Rom. 12:6; 1 Cor. 12:1ss.; Efe. 4:7; 1 Ped. 4:10).

Como conseqüência, a responsabilidade ministerial nunca deve estar restrita a alguns poucos.Isto explica por quê a palavra adelfoi, traduzida como "irmãos", aparece 346 vezes no NT e 134vezes só nas epístolas de Paulo. A maioria das vezes esta palavra é a forma abreviada que Paulo usa referindo-se a todos os crentes da igreja, homens e mulheres. Em contraste, a palavra "anciãos" aparece somente cinco vezes nas epístolas de Paulo. A palavra "episcopos" aparece nada mais que quatro vezes ea palavra "pastores" aparece apenas uma única vez!O NT enfatiza a responsabilidade coletiva.

É a comunidade crente que é chamada a levar a cabo as funções pastorais. Os irmãos e as irmãs (= toda a igreja) são chamados a: Organizar suas próprias questões (1 Cor. 11:33-34; 14: 39-40; 16:2-3); Disciplinar membros caídos (1 Cor. 5:3-5; 6:1-6);Admoestar indisciplinados (1 Tes. 5:14); Animar desanimados (1 Tes. 5:14); Apoiar débeis (1 Tes. 5:14); Abundancia na obra do Senhor (1 Cor. 15:58); Admoestação mútua (Rom. 15:14);Ensino mútuo (Col. 3:16); Profetização mútua (1 Cor. 14:31); Serviço mútuo (Gál. 5:13); Auxílio mútuo(Gál. 6:2); Preocupação mútua (1 Cor. 12:25); Amor mútuo (Rom. 13:8; 1 Tes. 4:9); Honra e preferência mútua (Rom. 12:10); Bondade e tolerância mútua (Efe. 4:32); Edificação mútua (Rom. 14:19; 1 Tes.5:11b); Compassividade e paciência mútua (Efe. 4:2; Col. 3:13); Exortação mútua (Heb. 3:13; 10:25);Estímulo mútuo e amor pelas boas obras (Heb. 10:24); Ânimo mútuo (1 Tes. 5:11a); Oraçãomútua (Stg. 5:16); Hospitalidade mútua (1 Ped. 4:9); Comunhão mútua (1 Jn 1:7); Confissão mútuados pecados (Stg. 5:16). Com dramática clareza, todas estas exortações "mútuas" encarnam a indiscutível realidade de que cada membro da comunidade deve assumir a responsabilidade do cuidado pastoral.

A liderança é um assunto coletivo e não algo que alguém realiza sozinho. O Corpo como um todo deve assumir esta responsabilidade.

Por conseguinte, a idéia de que os anciãos dirigem os assuntos da igreja, tomam decisões pela assembléia, tratam de todos seus problemas e provêem ensino, é algo alheio ao pensamento de Paulo.

Semelhante idéia é uma fantasia e carece de respaldo bíblico. Não é de estranhar o atrofiamento da maturidade espiritual nas igrejas guiadas por anciãos, onde a maior parte dos membros se converte em espectadores passivos e indolentes.Em suma, o NT não contém uma só palavra acerca de uma igreja governada ou dirigida por anciãos. E menos ainda de uma igreja conduzida por um pastor! A igreja do primeiro século estava nas mãos de um coletivo composto por irmãos e irmãs. Pura e simplesmente.

O exemplo da igreja primitiva nos mostra como o ministério de todo o Corpo deve sobrepujar o rol supervisor dos anciãos. Devido a sua maturidade espiritual, os anciãos representavam mais um modelo de cuidado pastoral (Atos 20:28-29; Gál 6:1; Heb. 13:17b). Sua meta, juntamente com os obreiros extra locais, era habilitar os santos para que assumissem sua responsabilidade a favor do rebanho (Efe. 4:11-12;1 Tes. 5:12-13).

Os anciãos podem ser simultaneamente profetas, mestres e evangelistas; mas nem todos profetas, evangelistas e mestres são anciãos. (Uma vez mais, os anciãos são os homens mais confiáveis emaduros da igreja).

O NT enfatiza a responsabilidade da igreja como um todo.

A liderança e a responsabilidade pastoral repousa sobre os ombros de cada membro da igreja, e não sobre as costas de determinada pessoa ou grupo.Na eclesiologia divina, a irmandade preenche e suplanta o grupo de anciãos. Isto explica por que as cartas de Paulo se tornam pesadas quando tratamos de forçar a idéia de títulos e cargos oficiais. Paulo ensina a liderança coletiva e condena o caciquismo espiritual de uma chefatura suprema.

Por esta razão,fala bem mais acerca da irmandade que dos anciãos.O testemunho do NT denunciando a autoridade posicional/hierárquica é evidentemente claro, e está em perfeita harmonia com o ensino de nosso Senhor Jesus. Como tal, a palavra final ao cristão com respeito às estruturas de liderança gentílicas e judaicas está encarnada na penetrante frase de nosso Senhor: "Não será assim entre vocês". (Mat. 20:26). Este é o eixo de toda a questão. Ao longo dos séculos, certas passagens do NT foram manipuladas para respaldar estruturas de liderança hierárquica e ofícios na igreja. Isto provocou muito dano no Corpo de Cristo.

Como vimos no capítulo anterior, a ênfase do NT com relação ao ministério de liderança está na"ação" e no "funcionamento", e não na "posição" e no "cargo". De fato, na igreja primitiva não havia coisas como "ofícios eclesiásticos".A noção de autoridade posicional/hierárquica é em parte resultado de traduções ruins e interpretações ainda piores de certas passagens bíblicas. Estas más traduções e interpretações resultaram da influência de diversos fatores culturais.

Estes fatores tergiversaram o significado original da linguagem bíblica. Transformaram simples palavras em títulos eclesiásticos carregados de poder.Assim, tais títulos não têm origem na Santa Escritura. Por isso é necessária uma releitura do NT em sua língua original para compreender adequadamente certos textos. Uma visita ao texto grego nos permite levantar sobriamente os seguintes fatos:

Os bispos são simples guardiões (episkópoi), e não altos dignitários eclesiásticos.

Os pastores são vigilantes (poiménes), e não estrelas profissionais do púlpito.

Os ministros são ajudantes (diáakonoi), e não clérigos.

Os anciãos são gente idosa e madura (presbúteroi) e não ofícios eclesiásticos.

É com gratidão que vemos como um crescente número de eruditos do NT está descobrindo que a terminologia de "liderança" do NT possui matizes descritivos que denotam funções especiais na igreja,em vez de posições formais.

O que segue é uma lista de objeções comuns que surgem a respeito da idéia de que liderança na igreja não é cargo oficial, título, nem posto hierárquico.

Cada objeção é seguida por uma clara resposta.Objeções do Livro de Atos e do Corpus Paulino(1) Atos 1:20, Romanos 11:13, 12:4 e 1 Timóteo 3:1,10,13 não se referem a ofícios eclesiásticos?A palavra "ofício" [ou "cargo oficial"] em todas estas passagens é inapropriada, porque não há equivalente no texto original. De fato, em nenhuma parte do texto grego do NT encontramos o equivalente a "oficio" sendo utilizado em conexão com algum ministério, função ou liderança na igreja.A palavra grega para "oficio" se emprega unicamente referindo-se ao Senhor Jesus em Seu ofício de Sacerdote (Heb. 5-7). Também é usada referindo-se ao sacerdócio Levítico (Luc. 1:8).A versão inglesa King James [KJV] traduz equivocadamente Romanos 11:13: ". . . I magify mineoffice" ["enalteço meu oficio"]. A palavra grega aqui traduzida como "oficio" significa serviço, e não oficio.

Por conseguinte, uma melhor tradução de Romanos 11.13 seria, "... honro meu serviço [o ministério] (diakonía)".De maneira semelhante, Romanos 12:4 seria mais bem traduzido assim: "...nem todos os membros tem a mesma função (praxis)". No grego a palavra praxis significa uma atividade, uma prática ou função,em vez de um oficio ou posição (veja a Bíblia Textual [BT], a Nova Versão Internacional [NVI] e a Bíblia das Américas [BA]).Por último, 1 Timóteo 3:1 na KJV é traduzido assim: "If a man desires the office of a bishop..."["Se um homem deseja o ofício de um bispo..."]. Mas uma tradução mais precisa seria: "Se alguém aspira vigiar..." (veja também a tradução da Bíblia de J.N. Darby).(2)A lista de requisitos que Paulo apresenta nas Epístolas Pastorais, ou seja, 1 Timóteo 3:1-7 e Tito 1:7-9 não indica que ancião se refere a um ofício?As cartas de Paulo a Timóteo e a Tito foram denominadas "Epístolas Pastorais" no século XVIII("Pastoral Letters", Dictionary of Paul and His Letters, InterVarsity Press). Mas tal título não é correto.Timóteo e Tito nunca foram pastores! Eram colaboradores apostólicos normalmente itinerantes.Bem raramente se detinham em algum lugar por um longo período de tempo. (Por exemplo, Paulo enviouTito a Creta e Timóteo a Éfeso para fortalecer aquelas igrejas e corrigir alguns problemas internos).

Pelo fato de viajarem por diversos lugares plantando igrejas, Paulo nunca chamou Timóteo e Titode anciãos ou pastores. Estes homens formavam parte do círculo apostólico de Paulo - um grupo que se destacou por suas contínuas viagens. (Rom. 16:21; 1 Cor. 16:10; 2 Cor. 8:23; 1 Tes. 1:1; 2:6; 3:2; 2 Tim.2:15; 4:10).Tudo o que está escrito em 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito deve ser compreendido desta perspectiva.Isto certamente explica algumas das diferenças entre tais epístolas e o restante das cartas de Paulo. Em 1e 2 Timóteo e Tito, a metáfora do Corpo está ausente por completo. Menciona-se ocasionalmente aos"irmãos", e há pouca ênfase no mútuo ministério.

Pela mesma razão, nestas epístolas não encontramos nada parecido com um catolicismo nascente.Mencionam o Espírito de Deus, assim como Seus dons, e afirma que os líderes devem lograr reconhecimento pelo seu exemplo, e não pelo fato de ocuparem alguma posição.O que temos nestes textos são, portanto, as qualidades essenciais de um verdadeiro vigilante, e não uma lista de requisitos necessários ao exercício de um oficio.A somatória de todas estas qualidades é: retidão moral e responsabilidade. Piedade e estabilidade.As listas de Paulo, portanto, serviram meramente como guia para ajudar Timóteo e Tito a identificar efirmar guardiões [ou vigilantes] nas igrejas locais onde atuavam (1 Tim. 5:22; Tito 1:5).A demais, o sentido destes textos em grego refere-se à função e não a ofícios. Paulo não chama o viajante ou o guardião como "titular de um cargo". Chama tais atividades como "nobre função" (1 Tim.3:1b, NVI).

Por outro lado, em 1 Timóteo 5:17, emprega uma linguagem funcional quando recomendaque se honre aos anciãos que "orientam bem" e que "dedicam seus esforços" à proclamação e ao ensino.Por conseguinte, confundir os guardiões ou vigilantes mencionados nestes textos com os modernos"funcionários" eclesiásticos - como o atual pastor - é pura fantasia. Isto se deve a nossa tendência de impor sobre o NT nosso convencionalismo organizativo. É por causa de uma estrutura cultural absorvida que introduzimos esse sentido ao texto e nada mais.

Em suma, a linguagem da função em vez do ofício domina as "Epístolas Pastorais" assim como ocorre com as demais epístolas de Paulo.(3) 1 Coríntios 12:28 diz: "E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente, apóstolos, em segundo lugar,profetas, em terceiro, doutores. . ." Não descreve este texto uma hierarquia de ofícios eclesiásticos?Esta pergunta revela nossa inclinação para ver a Escritura com as lentes contaminadas da hierarquia humana. Insistir em que cada um destes itens deve ser compreendido em termos hierárquicos de uma cima outro abaixo é uma mania peculiarmente estadunidense. De forma que cada vez que encontramos no NT uma lista estruturada (como 1 Coríntios 12:28), parece que não podemos escapar de inferir que aquilo implica em uma hierarquia.

Indubitavelmente, nós ocidentais do século XXI, gostamos de pensar em termos organizativos estilo organograma, mas a Bíblia nunca faz assim. Pensar que toda lista estruturada que vemos na Escritura possui algum tipo de hierarquia velada é um pressuposto injustificado.Ver uma hierarquia no catálogo de dons de 1 Coríntios 12:28 é no mínimo uma má interpretação de Paulo, influenciada culturalmente. A questão das estruturas de autoridade não aparece em nenhuma parte deste texto.

Uma boa exegese desta passagem não nos conduzirá a qualquer idéia de hierarquia. Somos nós que impomos tal idéia no texto!Uma leitura mais natural desta passagem indica que a ordem reflete uma prioridade lógica, nunca uma hierarquia.

Em outras palavras, a ordem mostra alguns dons maiores no que diz respeito à edificação da igreja (compare com 1 Cor. 12:7,31; 14:4,12,26). Esta interpretação harmoniza perfeitamente com o contexto imediato em que aparece (1 Cor. 12-14).Paulo está dizendo que dentro do âmbito da edificação da igreja, o ministério do apóstolo é fundamental. Isto se deve ao fato dos apóstolos dar nascimento à igreja e a sustentarem durante seu desenvolvimento pré-natal. Os apóstolos revolvem a terra e plantam a semente da ekklesia. (A semente é Cristo).Na medida em que os apóstolos cimentam a igreja, destacam primeiramente (cronologicamente) aobra da edificação da igreja (Rom. 15:19-20; 1 Cor. 3:10; Efésios 2:20).

É significativo que ao mesmo tempo em que os apóstolos são colocados em primeiro lugar no esquema de formação da igreja, figuram no último lugar aos olhos do mundo - Mat. 20:16; 1 Cor. 4:9!Os profetas aparecem em segundo lugar na lista. Isto indica que seguem imediatamente aos apóstolos pelo que significam para a edificação da igreja. Muita confusão (e abuso) rodeia a função de profeta.Em poucas palavras, os profetas provêem a igreja de visão e estímulo espiritual. Como os apóstolos, os profetas revelam o mistério do propósito de Deus para o presente e o futuro (Atos 15:32; Efésios 3:4-5). Também arrancam pela raiz as ervas daninhas para que a igreja possa crescer livre de estorvos.Os mestres são mencionados em terceiro lugar, indicando com isso que vem depois dos profetas novalor de seus dons no que diz respeito à edificação da igreja.

Os mestres colocam a igreja sobre umsólido terreno doutrinário e provêem instrução sobre os caminhos de Deus. Também pastoreiam aossantos em tempos difíceis.Continuando na metáfora, o mestre rega a semente e fertiliza a terra para que a igreja possa crescer e florescer. Se examinarmos o mestre de uma maneira cronológica, os mestres constroem a super estruturada igreja depois de que os apóstolos e os profetas erigem o plano básico.Esta interpretação de 1 Coríntios 12:28 segue bem mais a linha do pensamento de Paulo, do que a idéia de una estrutura de mando hierárquica onde apóstolos "fazem valer seus privilégios" sobre profetas- e profetas fazem o mesmo com os mestres.

Além disso, esta interpretação traz ao primeiro plano um importante principio espiritual: a ausência de autoridade hierárquica não significa que todos os dons sejam iguais!Ao mesmo tempo em que o NT afirma que todos recebem dons e têm um ministério, também afirma que Deus distribui Seus dons de uma maneira variada (1 Cor. 12:4-6).

Cada dom é valioso para o Corpo de Cristo, e alguns dons são maiores que outros dentro de suas respectivas esferas (Mat. 25:14-15;1 Cor. 12:22-24,31; 14:5).Isto não significa que aqueles que têm dons maiores têm autoridade maior (ou vice versa) em algum sentido formal. Deus chamou a cada um de nós para uma obra diferente. E alguns têm dons maiores para tarefas distintas.Por exemplo, alguns são chamados para plantar igrejas.

Outros, para o evangelismo local. E outros ainda recebem dons para mostrar misericórdia. Todos têm diferentes dons com diferentes responsabilidades. Alguns tem maior responsabilidade que outros (Rom. 12:6; Ef. 4:7).Dentro da esfera de nossos dons, cada membro é indispensável para a edificação geral da igreja -mesmo aqueles membros cujos dons não são externamente impressionantes (1 Cor. 12:22-25).

Por conseguinte, cada cristão na casa do Senhor é responsável pelo uso e incremento de seus dons. Todos nós somos advertidos contra a tentação de enterrá-los por temor (Mat. 25:25).Em suma, a idéia de que 1 Coríntios 12:28 denota algum tipo de hierarquia eclesiástica carece de força argumentativa. O texto tem em mente os dons maiores, considerados sob o pano de fundo da ordem cronológica da construção da igreja.
Isto não aponta para coisas como a lei do mais forte de uma hierarquia eclesiástica ou para graus de autoridade que os cristãos devem escalar.(4) Atos 20:28, 1 Timóteo 5:17, 1 Tessalonicenses 5:12 e Hebreus 13:7,17,24 não mostram que os anciãos têm que governar a igreja?A palavra "governar" nestes textos destoa com o restante do NT, além disso, não há um único termo semelhante a ele em todo o texto grego do NT.

Este é, sem dúvida, outro caso onde certas traduções confundem o moderno leitor pelo emprego de uma terminologia religiosa culturalmente condicionada.Vejamos agora cada passagem mencionada na objeção anterior. A palavra "governar" em Hebreus13:7,17,24 é uma tradução do vocábulo grego grego hegéomai, que significa simplesmente guiar,conduzir ou seguir adiante. F.F. Bruce, um profundo conhecedor do NT, em seu comentário à carta aos Hebreus traduz hegéomai como "guiar" (Epístola aos Hebreus, Ed. Nova Criação). Estes textos comunicam a idéia de "os que lhes guiam", em vez de "os que lhes governam".No mesmo sentido, em 1 Tessalonicenses 5:12, a palavra "presidir" (RV-1960) é uma tradução da palavra grega proístemi. Este termo sugere a idéia de estar à frente, supervisionar, guardar e prover cuidado. Eruditos do NT como F.F. Bruce e Robert Banks explicam que este termo não tem a força técnica de uma designação oficial porque é usado como particípio e não como substantivo.

Além disso,está colocado entre outros particípios que não designam caráter oficial (F.F. Bruce, 1 & 2 Thessalonians,WBC, Word; Robert Banks Paul´s Idea of Community, Hendrickson).Bruce traduz 1 Tessalonicenses 5:12-13 assim: "Agora lhes pedimos, irmãos, que reconheçam aqueles que trabalham arduamente entre vocês, que cuidam e instruem vocês no Senhor. Tenham alta estima por eles por causa de sua obra". Essa mesma palavra (proístemi) aparece novamente em 1Timóteo 5:17 e também é traduzida incorretamente como "governar" nas traduções da RV-1960 e da BA.Além disso, em Atos 20:28, o texto grego diz que os anciãos estão "entre" (no meio de) o rebanho e não"sobre" ele (como traduz a versão da NVI).O mesmo ocorre com a declaração de Paulo em 1 Timóteo 3:4-5. A menção de que os vigilantes ou supervisores devem "governar (proístemi) também sua própria casa" não se refere à sua habilidade para exercer poder.
Pelo contrário, tal passagem destaca sua capacidade na responsabilidade de supervisão e sustento aos demais. A hora de fazer as coisas é o momento em que nosso caráter é mais severamente provado. É a isso a que Paulo se refere ao descrever o caráter dos vigilantes ou supervisores.

Em todas estas passagens, a idéia básica é vigiar em vez de mandar. Supervisionar em vez de dominar. Facilitar em vez de ditar ordens. Oferecer direção em vez de governo.O texto grego apresenta a imagem de alguém que está em meio ao rebanho, guardando e cuidando dele (como faria um servo eminente).

Evoca o pastor atento às ovelhas. Não o que as conduz por traz ouo que as governa por cima!Mais uma vez, o propósito do ensino apostólico demonstra sistematicamente que a idéia de Deus a cerca da liderança na igreja entra em choque com o rol de práticas convencionais da liderança empresarial composta por altos executivos.(5) Não é verdade que Romanos 12:8 ensina que Deus dota alguns crentes para governar na igreja,porque Paulo disse, "o que preside [que o faça] com diligencia"?A versão bíblica inglesa KJV usa a palavra "ruleth" ["governa"] no texto.

Mas a palavra grega que aparece aqui é proístemi. Esta palavra alude ao que vigia e presta ajuda aos demais. Não se refere ao que os governa e controla.O texto é mais bem traduzido assim: "...o que vigia e cuida, que o faça diligentemente" A idéia de Paulo aqui é claramente de fervente cuidado em vez de poder ditatorial.(6) Atos 14:23 e Tito 1:5 ensinam que os anciãos são ordenados, isso não implica no estabelecimento de um ofício?Primeiramente, a menção de reconhecimento apostólico (nomeação) favorece mais a maneira funcional de pensar do que a interpretação posicional. Em Tito 1:5 a palavra traduzida como "designar"no grego é kathístemi e significa "por".Em Atos 14.23, a palavra usada é jeirotonéo e significa "estender a mão". Ambos trazem a idéia de reconhecer o que os outros já haviam aprovado.

Estas palavras eram utilizadas desta forma na literaturado primeiro século, mesmo fora do NT.Segundo, não há a menor prova de evidencia textual que apóie a idéia de que o reconhecimento bíblico outorgue ou confira autoridade. Paulo nunca concedeu autoridade para que alguém se colocasse acima do restante dos demais membros da comunidade.

O Espírito Santo é quem estabelece guardiãos(Atos 20:28). Os anciãos existiam na igreja antes de serem reconhecidos externamente.O reconhecimento apostólico meramente torna público o que o Espírito Santo realiza. A imposição de mãos é um sinal de comunhão, unidade e afirmação, não uma graça especial ou transmissão de autoridade. Por conseguinte, é um tremendo erro confundir reconhecimento bíblico com ordenação eclesiástica.

A imposição de mãos não qualifica nenhum especialista religioso a fazer mais do que o restante dos mortais sem títulos pode fazer!Pelo contrário, o reconhecimento bíblico é simplesmente a confirmação externa efetuada pela igreja dos já comissionados pelo Espírito para uma tarefa específica. Funciona como um testemunho visível de reconhecimento público.Nas modernas igrejas caseiras, o reconhecimento público funciona como um cavalo de Tróia.

Alguns homens simplesmente são incapazes de manejar este reconhecimento. Infla-lhes o ego. O título lhes provoca uma viagem ao poder. Pior ainda, transforma-os em poderosos monstros.Devemos recordar que no primeiro século havia obreiros itinerantes que reconheciam publicamenteos guardiões (Atos 14:23; Tito 1:5).

Por conseguinte, cabe aos obreiros de fora discernir o tempo e o método de como os guardiões devem ser reconhecidos. (Igrejas modernas caseiras, nunca se esqueçam disso!).O reconhecimento dos guardiões não deve ser imposto - quando eles emergem - pois se converterão em um molde rígido.

Alguns plantadores de igrejas reconhecem diretamente os guardiões.Outros o fazem tacitamente. (Nesse aspecto, não há respaldo bíblico para anciãos auto designados ou designados pela congregação).A realidade é que quando reconhecemos anciãos na forma de cerimônias, licenças, títulos de seminário, eleição por votação, etc., falamos sobre coisas que a Bíblia silencia.

Faríamos bem em não esquecer que embora exista o principio do reconhecimento de anciãos no NT, o método é aberto. Sempre tem o sentido de reconhecer uma função dinâmica em vez de instalar um oficio estático.A demais, se os anciãos são reconhecidos por obreiros de fora que conhecem bem a igreja, estamos em terreno Escritural seguro. Isto salvaguarda a igreja de ser controlada e manipulada por uma liderança auto imposta. Nomear anciãos de outra maneira é navegar à deriva, fora dos limites assinalados pela Bíblia.(7) Paulo não emprega a palavra "apóstolo" como um título oficial quando se refere a si próprio?Contrariamente ao que atualmente se pensa, na maior parte de suas cartas, Paulo afirma implicitamente que não é um apóstolo profissional.

Embora torne pública sua função especial na saudação de suas epístolas (por exemplo, "Paulo, um apóstolo de Cristo Jesus"), Paulo nunca se identifica como "o apóstolo Paulo".Esta é uma distinção significativa. O primeiro caso descreve uma função especial baseada em uma comissão divina, enquanto que no outro é um título oficial.De fato, em nenhuma parte do NT encontramos que ministérios ou funções no Corpo seja mutilizados como títulos honoríficos pelos servos de Deus.

Os cristãos aficionados por títulos necessitam refletir seriamente sobre isto!(8) Efésios 4:11 não mostra uma corporação de clérigos quando diz, "Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores. . ."De maneira alguma. Efésios 4 tem em vista aqueles dons que equipam a igreja para a diversidade do serviço (vv. 12-16). Os dons enumerados no texto são na realidade pessoas dotadas para capacitar aigreja (vv. 8,11). Estes são os dons que o Espírito Santo reparte a cada individuo como Ele quer (1 Cor.12:11).Em outras palavras, Efésios 4 não trata dos dons dados a homens e mulheres. Trata de homens emulheres providos de dons que são dados à igreja. Apóstolos, profetas, evangelistas e pastores/mestressão pessoas que o Senhor levantou e outorgou à igreja para sua formação, coordenação e edificação.Sua tarefa principal é nutrir a comunidade de crentes para que participem responsavelmente de acordo com os princípios divinos.

O êxito desta tarefa se fundamenta na habilidade que possuem para capacitar e mobilizar os santos para a obra do ministério. Desta maneira, os dons de Efésios 4 equipam(do grego: katartízo = completar, preparar; e katartismós = capacitação, aperfeiçoamento) o Corpo de Cristo para que este leve a cabo o propósito eterno de Deus.Estes dons não são ofícios nem posições formais. Tais termos gregos não constam do texto. Trata-se de irmãos com dons "habilitadores" peculiares, dados para cultivar os ministérios de seus irmãos.

Os apóstolos capacitam a igreja desde seu nascimento, ajudando-a até que possa caminhar pelos próprios pés (discutiremos a função apostólica com mais detalhes no cap. 5).

Os profetas adestram a igreja falando a ela a palavra presente do Senhor, confirmando os dons de cada membro, preparando-a para as provas futuras.

Os evangelistas habilitam a igreja servindo como modelo na pregação das boas novas aos perdidos.

Os pastores/mestres instruem a igreja cultivando sua vida espiritual por meio da exposição da Escritura.

Alguns crêem que pastores e mestres são dois ministérios separados, enquanto que outros os vêem como dimensões distintas do mesmo ministério. Nesse último conceito, pastorear seria o lado privado deste ministério, enquanto que seria o lado público.

Os ministérios de Efésios 4 (eventualmente chamados como "o quíntuplo ministério") não equivalem a liderança da igreja. Apóstolos, profetas, evangelistas e pastores/mestres podem ser anciãos ou não.Em suma, Efésios 4:11 não contempla coisas como clero assalariado, ministério profissional ou algum tipo de sacerdócio fabricado.

Tampouco se refere a uma classe diferente de cristãos. Assim como o catálogo de dons apresentados por Paulo em 1 Coríntios 12.28, Efésios 4 tem em vista funções especiais em vez de posições formais.(9) A menção de "governos" em 1 Coríntios 12:28 acaso não mostra que a igreja primitiva possuía ofícios eclesiásticos?O vocábulo grego traduzido por "governos" em diversas versões portuguesas é kubérnesis. De acordo com o erudito Gordon Fee, "esta mesma palavra aparece três vezes na versão LXX [Antigo Testamento Grego], trazendo consigo a idéia verbal de proporcionar 'direção/orientação' a alguém".Dice Fee afirma que a palavra seria mais bem traduzida como "ato de guiar/orientar". Bem provavelmente refere-se ao ato de aconselhar com sabedoria a toda a comunidade e não simplesmente aos indivíduos (Primera Epístola a los Coríntios, Ed. Nueva Creación, Buenos Aires, 1994, p. 704).Portanto, tratar de ver nesta palavra uma forma de política eclesiástica é injustificável e insustentável. O único "governo" reconhecido pela ekklesia é o governo absoluto de Jesus Cristo (Isa.9:6)! Embora os supervisores proporcionem supervisão à igreja, eles não a "dirigem" nem a "governam".O termo "governo", portanto, é um vocábulo pobre para descrever algum dom espiritual na igreja.(10) A Bíblia não diz que Timóteo foi o "primeiro bispo ordenado da igreja de Éfeso" e que Tito foi ordenado como "o primeiro bispo da igreja Cretense?".Algumas edições da KJV anexaram notas ao final das chamadas "Epístolas Pastorais", mas tais notas não aparecem no texto Grego. Foram inseridas pelos tradutores da KJV.Como já vimos, Timóteo e Tito jamais foram "bispos". Nem mesmo pastores.


Eram colaboradores de Paulo - plantadores de igrejas, consulte (Rom. 16:21; 1 Cor. 16:10; 2 Cor. 8:23; 1 Tes. 1:1; 2:6; 3:2; 2Tim. 2:15; 4:10).Cumpre ressaltar que o episcopado monárquico (o sistema de bispos) se desenvolveu muito tempo depois que o NT foi escrito. A evidencia histórica que sugere que Timóteo e Tito foram os "primeiros bispos" destas igrejas é tão escassa como a de que Pedro foi "o primeiro bispo" de Roma! Todas estas suposições entram em conflito com o relato do NT. São invenções humanas que não tem base bíblica.(11) Atos 15:22 menciona, "eleger varões dentre eles e envia-los". Isto não implica na existência de uma autoridade hierárquica na igreja primitiva?A RV-1960 traduz este texto usando os termos "varões principais", o que dá um sabor hierárquico.

Todavia, a palavra grega usada é hegéomai que significa simplesmente "conduzir" ou "guiar" (consulte a versão NVI).Este texto destaca o fato de Judas e Silas serem homens respeitados na igreja de Jerusalém. Eram homens responsáveis, -provavelmente anciãos. Por esta razão, a igreja de Jerusalém os selecionou como provisórios mensageiros à (compare com Prov. 10:26; 25:19). Uma exegese que compreende este versículo de maneira hierárquica é arbitrária.(12) A metáfora de Paulo do Corpo de Cristo não demonstra que a autoridade funciona de uma maneira hierárquica?Ou seja, quando a Cabeça envia um sinal à mão, deve primeiro envia-la ao braço. De modo que a mão necessita submeter-se ao braço para que possa obedecer à Cabeça.Qualquer um que esteja familiarizado com a anatomia humana sabe que a descrição anterior reflete um conhecimento incorreto do funcionamento do corpo físico.O cérebro envia sinais diretos às partes do corpo que deseja controlar, através do sistema nervoso periférico.

Deste modo, a cabeça controla todas as partes do corpo de maneira imediata e direta. Não faz passar seus impulsos através de uma cadeia de comando recorrendo a outras partes do corpo.A cabeça não ordena à mão que diga ao pé o que ele deve fazer. Pelo contrário, a cabeça está conectada a cada parte do corpo. Por esta razão, a aplicação adequada da metáfora do Corpo preserva a verdade simples de que há apenas uma Autoridade na igreja - Jesus Cristo. Todos os membros estão sob Seu controle direto e imediato.

A este respeito, a Bíblia é clara como cristal quando ensina que Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e os homens (1 Tim. 2:5). Embora o Velho Pacto tivesse mediadores humanos, o Novo Pacto não os possui. Como participantes do Novo Pacto, não necessitamos de um mediador que nos diga como conhecer o Senhor. Todos os que estão sob este pacto o conhecem diretamente - "desde o menor até omaior" (Heb. 8:6-11).É a mútua sujeição e não a submissão hierárquica o que produz a coordenação adequada do Corpo de Cristo. (Este tema será tratado de maneira mais completa no próximo capítulo).(13) Todo corpo físico tem uma cabeça. Por conseguinte, cada corpo local de crentes necessita de umacabeça. Se não tem uma, haverá caos. Os pastores são as cabeças das igrejas locais. São pequenas cabeças sob o comando de Cristo.

Esta idéia é produto da imaginação do homem caído. Não há nenhuma peça de apoio bíblico a esta idéia. É pura fantasia! A Bíblia jamais se refere a um ser humano como "cabeça" de alguma igreja. Este título pertence exclusivamente a Jesus Cristo. Ele é a única Cabeça de cada assembléia local. Por conseguinte, os que afirmam ser cabeças das igrejas pretendem suplantar a Chefatura executiva de Jesus Cristo!

Objeções de Outros Documentos do NT

(1) Mas Hebreus 13:17 não ordena obediência e sujeição a nossos líderes, implicando assim que os líderes na igreja possuem uma autoridade de ofício?Novamente, consultar o texto grego resulta na maior utilidade. A palavra que traduzida como"obedecer" em Hebreus 13:17 não é a palavra grega (hupakoúo) muito usada no NT para referir-se à obediência, mas o vocábulo peítho que significa persuadir e conseguir. Devido ao fato desta palavra aparecer na entonação mediana/passiva neste texto, deve ser traduzida assim: "deixai-vos persuadir pelos que os guiam".Trata-se de uma exortação que dá peso à instrução dos obreiros (e possivelmente guardiões locais).Não é uma exortação para uma obediência cega. Ela implica em poder persuasivo para convencer e conseguir, sem coerção, força, intimidação, obrigação ou submissão.

Nas palavras do especialista em grego W. E. Vine, "a obediência sugerida [em Hebreus 13:17] não é submissão à autoridade, masresultado da persuasão" (W. E. Vine, Diccionario Expositivo, Caribe, 1999, p. 594).Além disso, o verbo traduzido como "sujeitar" nesta passagem é a palavra hupeiko. Que traz consigo tanto a idéia de ceder, retirar-se, como de render-se depois de uma batalha. Os que se ocupam da supervisão espiritual não exigem submissão. É necessária nossa concordância.Somos incentivados a nos predispor-mos a favor do que eles dizem. Não por causa de um ofício externo que ocupam, mas por seu caráter piedoso, maturidade espiritual e serviço sacrificado a favor dos santos.

Em outras palavras, Hebreus 13:7 exorta-nos a "imitar sua fé" a considerar "qual foi o resultado de sua conduta". Se assim fizermos, poderão levar a cabo mais facilmente a tarefa de supervisão espiritual a que Deus os chamou para executar (v. 17).(2) A Bíblia ensina que os que velam pelas almas da igreja terão que dar contas a Deus. Isso não significa que tais pessoas têm autoridade sobre as demais?Hebreus 13:17 diz que os que provêem supervisão são responsáveis perante Deus por sua tarefa.

Diante da avançada maturidade e dotação espiritual que possuem, Deus lhes deu a responsabilidade de cuidar de seus irmãos. Mas não há nada no texto que estipule que eles possuem alguma autoridade especial sobre outros cristãos! (Veja o ponto anterior).Ser responsável não equivale a ter autoridade. Todos os crentes são responsáveis diante de Deus(Mat. 12:36; 18:23; Lucas 16:2; Rom. 3:19; 14:12; Heb. 4:13; 13:17; 1 Ped. 4:5). Isto não significa que tem alguma autoridade especial sobre os demais.(3) Quando Jesus recomenda Seus discípulos obedecer aos escribas e fariseus pelo fato destes se sentarem na 'cadeira de Moisés' Êle não dá respaldo à autoridade oficial?De forma alguma.

Jesus repreende aos escribas e fariseus por assumirem uma autoridade institucional que não possuíam. Mateus 23:2 diz, "Na cátedra de Moisés se sentaram os escribas e os fariseus".Nosso Senhor estava expondo somente o fato de que os escribas e Fariseus eram mestres auto-nomeados que estavam usurpando autoridade e se colocando acima do povo (Mat. 23:5-7; Luc. 20:46).Sua declaração era uma observação, e não um respaldo.O Senhor deixou inequivocamente claro que apesar de sua pretensão diante dos homens, os escribas e os fariseus não tinham absolutamente nenhuma autoridade (Mat. 23:11-33). De fato, ensinavam a Lei de Moisés, mas não a obedeciam (vv. 3b, 23:23).Visto deste prisma, o versículo que segue que diz: "Fazei e guardai, pois, tudo quanto vos dizem..."(v.3) não pode ser entendido como uma carta branca ao ensino farisaico. Esta interpretação contradiz por completo o versículo que segue (v.4). Também contradiz a outras muitas passagens onde encontramos Jesus resolutamente arrebentando o ensino farisaico - e exortando seus discípulos a fazerem o mesmo(Mat. 5: 33-37; 12:1-4; 15: 1-20; 16:6-12; 12:1-4; 19: 3-9; etc!)Além disso, esta frase (no v. 3) deve ser interpretada tendo em mente a referência do Senhor à"cadeira de Moisés". A "cadeira de Moisés" é uma referência literal a um assento especial colocado em cada sinagoga donde se liam ao povo as Escrituras do Antigo Testamento (E. L. Sukenik, AncientSynagogues in Palestine and Greece, British Academy).

Cada vez que os escribas e Fariseus se sentavam no "assento de Moisés", liam abertamente à Escritura. Na medida em que a Escritura possuía autoridade, era obrigatória a leitura a partir desta cadeira (apesar da hipocrisia dos leitores). Esta é a essência da declaração de Jesus. A lição é que se algum hipócrita e suposto mestre lesse a Bíblia, o que dizia acerca dela teria autoridade.Afirmar que a partir das palavras de Mat. 23:2-3, o Salvador outorga Sua aprovação à autoridade oficial, é o mesmo que dizer que Jesus pode ser substituído pelo Papismo Romano. Esta falsainterpretação não pode seguir o mesmo ritmo que o contexto da passagem, e não reflete nada dosEvangelhos.(4)
O NT Grego não apóia a idéia de que a igreja legitima é formada por clérigos e leigos?
A dicotomia clero/leigos é um trágico erro que percorre toda historia da cristandade. Embora seja verdadeiro o fato de que multidões tenham optado pelo caminho largo do dogmatismo e defenda essa postura, esta dicotomia carece de sustento bíblico.A palavra "leigo" deriva da palavra grega laós, que significa "povo". Laós inclui todos os cristãos.O vocábulo aparece três vezes em 1 Ped. 2:9-10 onde Pedro se refere ao "povo (laós) de Deus". O termo laós no NT nunca se refere apenas a uma parte da assembléia. Apenas a partir do Século III passou a assumir outro significado.O termo "clero" tem suas raízes na palavra grega kléros que significa "porção ou herança". A palavra é empregada em 1 Ped. 5:3 onde Pedro instrui aos anciãos que não apossem da herança (kléros)de Deus.


É surpreendente que a palavra nunca é utilizada referindo-se aos líderes da igreja. Como ocorre com laós, kléros refere-se também ao povo de Deus, porque este é Sua herança.De acordo com o NT, portanto, todos os Cristãos são simultaneamente "clérigos" (kléros) e"leigos" (laós). Somos a herança do Senhor e o povo de Deus. Em outras palavras, o NT não dispõe de clérigos; torna clérigo todo crente!Em suma, não há um único indício do esquema clero/leigo e ministro/leigo na história, ensino e vocabulário do NT. Este esquema constitui uma falsa dicotomia. É um artefato religioso que derivado daruptura pós-bíblica entre o secular e o espiritual.Na dicotomia secular/espiritual, a fé, a oração e o ministério são considerados como propriedade exclusiva de um mundo interno e sacrossanto.

Um mundo que está completamente separado do tecido da vida. Mas tal separação é completamente alheia ao caráter distintivo do NT que afirma que todas as coisas glorificam a Deus, incluindo as coisas de nosso viver diário ( 1 Cor. 10:31).(5) Os sete anjos das sete igrejas do livro do Apocalipse não validam a presença de um único pastor em uma igreja local?Os primeiros três capítulos do Apocalipse constituem uma base frágil sobre a qual se possa construir a doutrina do "pastor único". Em primeiro lugar, a referência aos anjos destas igrejas é crítica.João não oferece chave alguma no que diz respeito a que igrejas se refere. Os eruditos não estão seguros do que simbolizam. (Alguns crêem que a passagem literalmente se refere a anjos.

Outros acham que se refere a mensageiros humanos).Em segundo lugar, em nenhuma parte do NT há nada que se assemelhe à idéia do "pastor único",nem há texto algum que vincule pastores com anjos.Em terceiro lugar, a idéia de que os sete anjos são os "pastores" das sete igrejas entra diametralmente em conflito com outros textos do NT. Por exemplo, Atos 20:17 e 20-28 revelam que na igreja de Éfeso havia muitos apascentando a igreja de Deus, e não apenas um. O mesmo ocorria em todas as igrejas do primeiro século. Cada igreja tinha vários anciãos (veja Repensando os Odres).Por conseguinte, sustentar a doutrina do "pastor único" a partir de uma obscura passagem doApocalipse é recorrer a uma exegese torpe e descuidada. Repito, não há apoio para o moderno sistema do pastor nem no Apocalipse nem em qualquer outro documento do NT.

Objeções do Antigo Testamento

(1) Em Êxodo 18, Moisés estabelece uma hierarquia de governantes sob sua autoridade para ajudar guiar o povo de Deus. Não constitui isto um modelo bíblico para a liderança hierárquica?Se lermos cuidadosamente o relato, descobrimos que foi Jetro, o sogro pagão de Moisés, quem concebeu esta idéia (Êxodo 18:14-27).

Não há evidencia Bíblica sugerindo respaldo divino a isso. Na realidade, o próprio Jetro admitiu que não estava seguro se Deus apoiaria sua idéia (Êxodo 18:23).Posteriormente, nas viagens de Israel, Deus dirigiu Moisés para que tomasse um rumo diferente com respeito ao problema da supervisão. O Senhor mandou que comissionasse anciãos para que lhe ajudassem a levar o peso da responsabilidade (Números 11:16).

Esta estratégia era orgânica e funcional, marcadamente diferente da noção de Jetro de uma hierarquia composta de muitos estratos de dirigentes.(2) Não é verdade que Moisés, Josué, Davi, Salomão, etc, revelam a perfeita vontade de Deus de ter um único líder sobre Seu povo?De maneira alguma.

Moisés e qualquer outro líder do AT, não foram nem ao menos sombra do Senhor Jesus Cristo. Não eram do tipo pastor único dos tempos modernos inventados durante a Reforma.Para ser mais específico, o rol do episcopado monárquico remonta ao Catolicismo nascente e tem suas raízes nos ensinos de Inácio de Antioquia e Cipriano de Cartago. Mas não chegou a ser aceito amplamente até os séculos III e IV. Durante a Reforma, o rol de bispos e sacerdotes se transformaram no pastor Protestante.

Deus sempre quis infundir una teocracia em Israel. Uma teocracia é um governo onde Deus é o único Rei.
Embora Deus tenha atendido ao desejo carnal do povo de ter um rei terreno, isso nunca foi Sua suprema vontade (1 Sam. 8:5-9).Não obstante, o Senhor seguiu agindo a favor de Seu povo sob o reinado humano. A presença do reinado humano resultou em terríveis conseqüências. Da mesma maneira, em nossos dias, Deus opera por meio de sistemas imperfeitos, mas estes sempre limitam Sua operação.O desejo eterno do Senhor para com Israel era que vivesse e servisse sob Seu direto domínio(Êxodo 15:18; Núm. 23:21; Deut. 33:5; 1 Sam. 8:7); que fosse um reino de sacerdotes (Êxodo 19:6), eque em tempos de crise estivesse sujeito a homens mais sábios e de mais idade (anciãos) (Deut. 22:15-18;25:7-9).Mas o que Israel perdeu por sua desobediência, a igreja ganhou (1 Ped. 2:5,9; Ap. 1:6). A verdade é que, tragicamente, muitos cristãos têm optado por regressar ao sistema de governo religioso do antigo pacto - apesar de Deus tê-lo desmantelado há muito tempo.

A única maneira possível de realizar a idéia divina de liderança e de autoridade é através da presença do Senhor no interior dos Seus. Já que a habitação do Espírito não foi experimentada durante os dias do Antigo Testamento, Deus condescendeu com as limitações de Seu povo.É por esta razão que vemos Israel muitas vezes abraçando modelos hierárquicos de liderança. Mas quando chegamos à era do NT, aprendemos que o Cristo que vive no interior é a porção de todos os filhos de Deus. É precisamente esta porção que faz com que a igreja se eleve ao nível sobrenatural do"sacerdócio de todos os crentes". Neste nível, os estilos de liderança hierárquica, titular e oficial tornam-se obsoletos e contraproducentes.(3) No Salmo 105:15, o Senhor diz "Não toqueis nos meus ungidos e não maltratem os meus profetas"Isso não quer dizer que alguns cristãos (p. ex. os profetas) possuem uma autoridade indiscutível?Sob o Antigo Pacto, Deus ungiu especialmente aos profetas para que fossem os portadores de Seus oráculos.

Falar contra eles era falar contra o Senhor. Mas no Novo Pacto, o Espírito é derramado sobre todo o povo de Deus. Todos os que recebem a Cristo (o Ungido) estão ungidos pelo Espírito Santo (1 Jn.2:27) - e todos podem profetizar (Atos 2:17-18; 1 Cor. 14:31).Desta maneira, a oração de Moisés de que todo o povo de Deus receberia o Espírito e profetizaria foi cumprido desde Pentecostes (Núm. 11:29; Atos 2:16-18). Lamentavelmente, líderes clericais e auto-proclamados "profetas" têm abusado e usado indevidamente o Salmo 105:15 para controlar o povo de Deus e desviar as críticas.Mas esta é a verdade: Já que todos os cristãos foram ungidos pelo Espírito, todos podem profetizar(Atos 2:17-18; 1 Cor. 14.31). Sob o Novo Pacto, "Não toqueis nos meus ungidos" equivale a "sujeitando-vos uns aos outros no temor de Deus" (Efésios 5:21), porque a unção do Espírito veio sobre todos os que crêem no Messias.

Por conseguinte, "não tocar no ungido de Deus" se aplica hoje a cada cristão! Negar isto é negar que todos os cristãos tem a unção (1 João 2:20,27).
O Problema de Uma Má Tradução Considerando os pontos anteriormente mencionados, alguns poderão perguntar a razão da Versão Autorizada Inglesa (KJV) obscurecer tantos textos relacionados com o ministério e a supervisão.

Ou seja,porque a KJV repetidamente inserta termos hierárquicos/institucionais (como "oficio") que não estão presentes nos documentos originais?A resposta deriva do fato de que foi a igreja anglicana do século XVII que publicou a KJV. Esta igreja vinculou rigidamente a Igreja com o Estado e fundiu burocracia com cristianismo.Esta é a história. O Rei James VI da Escócia havia ordenado a tradução que leva seu nome (KingJames Version = KJV). Procedeu assim em seu papel de cabeça da Igreja Anglicana - a Igreja Estado da Inglaterra. Ordenou a cinqüenta e quatro eruditos que realizassem a tradução e que durante todo o projeto não se apartassem da "terminologia tradicional". (The Christian Baptist 1, Nashville: The Gospel Advocate Co., 1955, pp. 319-324).

Por esta razão, a KJV naturalmente reflete proposições hierárquicas/institucionais do Anglicanismo. Palavras tais como ekklesia, epískopos e diákonos não foram traduzidas fielmente do grego.

Pelo contrário, foram traduzidas empregando o ranço eclesiástico daqueles dias: Ekklesia = igreja.Epískopos = bispo. Diákonos = ministro. Praxis = ofício. Proístemi = governo. Apesar da KJV original de 1611 passar por várias revisões desde 1769, estes erros nunca foram corrigidos.Graças a Deus, algumas traduções modernas têm procurado corrigir este problema retirando muitos dos termos eclesiásticos encontrados na KJV, e têm traduzido fielmente as palavras gregas de acordo com seus significados originais:

Ekklesia = assembléia, Epískopos = guardião ou vigilante. Diákonos =servidor. Praxis = função.


Proístemi = cuidado.Desafortunadamente, muitas traduções modernas ainda conservam o sabor oficial tão presente na KJV.


Fonte:Quem é a tua cobertura?Frank Viola

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Seguir a Jesus:O mais fascinante projeto de vida



"[Jesus] dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia após dia tome a sua cruz e siga-me".

Jesus Cristo nos chama a segui-lo. Tal convite não pode ser respondido com um mero levantar de mão em cruzadas evangelísticas. Falo como evangelista acostumado a este fenômeno: milhares de mãos se levantando, respondendo sim ao apelo de seguir Jesus.
Na realidade, pode ser que o gesto seja o primeiro de uma sucessão benéfica que inclua: apertar a mão de irmãos, lavar os pés dos santos, enxugar lágrimas a aflitos, dar água e pão aos pobres, curar as feridas dos flagelados, impor as mãos sobre os doentes ou uni-las em oração e prece. Se este for o processo, então aquele gesto foi válido.
No entanto, se não propiciar tal fluxo de vida e sucessão de atos, não passou de coreografia de trabalho religioso, ilusão para os servos da idolatria estatística e fantasia para os que pretendem povoar o céu a partir da graça barata.

Seguir Jesus não é ser modelado dentro do apertado terreno dos condicionamentos psicológicos, culturais e religiosos dos nossos guetos evangélicos. Entre nós a conversão é muitas vezes um fenômeno de mimetismo, não o nascer de uma nova criatura.
A conversão não é, na nossa superficial e freqüentemente hipócrita cultura evangélica, a assimilação de chavões, palavras, gestos feitos, tom de voz e indumentária própria.
Não tenho medo de ser julgado.
O que disse está dito, pois conheço a igreja de Cristo no Brasil e sei que ela precisa ser liberta da religiosidade que por vezes Jesus odiou e reprovou.

Discipulado também não é apenas vida moral e social ajustada.
Pagar as contas em dia, lavar o carro todo sábado, levar os filhos ao parque, sair para jantar uma vez por semana com a esposa, ser bom vizinho e ótimo profissional não é tudo sobre discipulado. Esta vida certinha ainda está dentro do ordinário.
O discipulado está no nível do extraordinário.

Seguir Jesus extrapola os melhores hábitos.
É ir tão mais além que desajuste os certinhos e desinstale os irremovíveis e plantados no seguro terreno da vida acomodada.
Discipulado é vida para nômades.
É existência para aqueles que confessam que todo país estrangeiro pode ser sua pátria e que o planeta Terra não é seu lugar de repouso, porque aspiram à Pátria Superior.
Ser discípulo é ter tanto a disciplina quanto a criatividade das ondas do mar.
Disciplina porque as ondas são ordenadas e têm princípios. Criatividade, porque elas existem dentro de uma dinâmica: cada onda é diferente da outra.

Neste sentido, seguir Jesus é obedecer a princípios imutáveis, mas é também ser livre como as ondas do mar.
Um discípulo, ao mesmo tempo que vive obediente a Deus, descobre a pessoa dinâmica que deve ser, conforme a expressão da sua inerente potencialidade e mediante os variados dons espirituais que a graça de Deus acrescenta à vida de cada cristão.

Em razão das afirmações anteriores e de muitas outras ainda não apresentadas é que Jesus diz que o discípulo é um ser livre. Cristo não esmaga a cana quebrada e nem apaga a torcida que fumega. Ele não violenta o coração. Não faz apelos emocionalmente irresistíveis.
Não coage a alma humana.
Não faz lavagem cerebral.
Seu convite ao discipulado começa com um "se alguém quer".

O homem deve analisar se deseja segui-lo. Ninguém é forçado a aceitar. O candidato ao discipulado tem que se sentir em liberdade, pois Jesus mostra que há opções. Todavia, a opção para fora do discipulado é morte, escravidão, gemido e náusea.

No discipulado há uma lei básica: a pessoa é livre para tudo, só não é livre para deixar de escolher.
O candidato a ele é escravo da sua liberdade. Mas é tão livre que pode até escolher ser escravo.
O discípulo é alguém que quer. Deus criou o homem não apenas com o livre arbítrio mas também com o poder de arbitrar.
Por isso Jesus afirma que o discípulo tem que ser alguém que quer. Se alguém quer, é como inicia o convite.

O seguidor de Jesus deve saber o que quer, porque o discipulado sempre exige uma de-cisão. Algumas decisões não são de-cisões. No discipulado, no entanto, não raramente as tomadas de posição implicam rupturas, fraturas emocionais, psicológicas, familiares, sociais e até econômicas.

O discípulo tem que saber o que quer, porque dele é exigido que abra mão de valores, a fim de se apoderar do Reino de Deus: "O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem, e compra aquele campo. Não se trata de salvação pelas obras, mas de entender e aceitar os custos da descoberta, da REVELAÇÃO.
O tesouro valia mais do que o campo. Logo, quem comprou o campo, ganhou o tesouro de graça. Assim é no Reino de Deus: a salvação (tesouro) é de graça, mas o discipulado (campo) tem um preço. Há valores a serem trocados; há um custo a ser pago".

Isto porque o Reino dos Céus é a única realidade duradoura, e o seu valor é incalculávelmente precioso. Por isso a pessoa realmente desejosa de receber os resultados positivos da vida no Reino dos Céus, uma vez confrontada com ele, prontamente, e cheia de alegria, fará o sacrifício que for necessário, seja a perda de amizades, bens, posição, ou inclusive da própria vida.

Todavia deve-se saber que quando a grande alegria, que supera toda medida, toma conta da alma, ela arrebata, atinge o mais íntimo, supera a compreensão. Tudo fica pálido e sem brilho diante do brilho do Reino dos Céus. Nenhum preço parece alto demais diante desse tesouro. A entrega precipitada e irrefletida do que há de mais precioso torna-se a evidência mais clara disso. Diante do Reino entrega-se tudo porque se fica arrebatado diante da grandeza do achado. A boa-nova da sua irrupção arrebata, gera a grande alegria, orienta toda a vida para a consumação da comunhão com Deus, opera a entrega apaixonada. Faz com que a perda seja ganho. Transforma o sacrifício em festa. Faz da troca de valores o melhor negócio.

Deve ainda o discípulo ter a coragem de aceitar que sua conversão pode dividir a família. É possível que haja uma de-cisão na sua casa. Pode surgir uma guerra emocional e religiosa do pai incrédulo contra o filho convertido, ou do filho rebelde contra o pai arrependido; da mãe beata contra a filha que mudou de religião, ou da filha renitente contra a mãe recém-convertida; da sogra falante contra a nora humilde, ou da nora avançada contra a sogra considerada quadrada por causa de Jesus.

O discípulo deve saber que seus inimigos poderão ser os da sua própria casa. Deve, no entanto, estar informado de que no Reino de Deus existe o milagre da multiplicação dos relacionamentos interpessoais e dos privilégios sociais: "Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou mãe, ou pai, ou campos, por amor de mim e por amor do evangelho, que não receba já no presente o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e no mundo por vir a vida eterna - ver também que a Cruz gera nova família.

É indispensável ainda que o discípulo saiba o que quer, porque a vida de um seguidor de Jesus é comparável à de um sentenciado à morte: ele pode morrer de morte violenta ou não, mas, em qualquer dos casos, existe morrendo para poder morrer vivendo. Quem quiser preservar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder, de fato a salvará. No Reino de Deus convive-se com o paradoxo de que achar a vida é perdê-la, e perder a vida por Jesus é achá-la.

Esta opção de vida leva o seguidor de Jesus a uma disposição de limitar-se tanto quanto necessário: "Se tua mão te faz tropeçar, corta-a; pois é melhor entrares maneta na vida do que, tendo as duas mãos, ires para o inferno, para o fogo inextinguível (onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga). E se teu pé te faz tropeçar, corta-o; é melhor entrares na vida aleijado do que, tendo o dois pés, seres lançado no inferno (onde não lhes morre o verme nem o fogo se apaga). E se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o; é melhor entrar no Reino de Deus com um só dos teus olhos do que, tendo os dois, seres lançado no inferno". Este modo de vida exige espírito voluntário. Entretanto, no texto onde Jesus ensina maneiras de se imporem limites, raia a luz da mais intensa expansão e liberdade. A mão, pé ou olho amputado são do discípulo mas não são o discípulo. O cristão que se limita por causa do Reino de Deus continua inteiro, completo, pleno.

Outra surpresa diante da qual Jesus nos coloca é que essa aparente castração é o caminho para a verdadeira vida (a palavra vida aparece duas vezes no texto como resultado desses atos). Resta-nos a constatação de que aqueles que rejeitam essa limitação vão plenos para o inferno. E a última estranheza da sabedoria de Jesus é que aquele que se apodera de menos (mão), anda por caminhos menores (pés), e vê menos (olho), é quem vai se apoderar de mais; é quem entrará no céu e verá a glória de Deus no Reino eterno.

As implicações de cada uma dessas lições afetam os negócios, os sentimentos, os relacionamentos e as ambições do cristão. Não se trata de autoflagelação, mas de autolimitação não patológica produzida pela certeza de que tudo aquilo que faz tropeçar tem que ser evitado.
O discípulo, para aprender de Jesus, tem que ter a palavra do Mestre como o ponto de partida, o ponto de apoio, o ponto de referência, o ponto de vista e o ponto de chegada. "Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica, será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha".
O discípulo tem que estruturar a sua vida única e exclusivamente sobre a Palavra de Deus. Não há outra base. Seus pontos de vista são os de Deus. Sua estrutura é a verdade do reino de Jesus. As opiniões próprias são sepultadas quando alguém se dispõe a ser um aprendiz do Mestre. Importa ter a mente de Cristo e não aceitar viver de outra maneira que não seja sobre as bases do ensino do Senhor.

Qualquer outra obsessão termina quando começa o discipulado. Nele só há lugar para a sadia obsessão do Reino de Deus. Nem afazeres, nem compromissos, nem qualquer relacionamento humano podem tomar o lugar e a importância do convite de Jesus. "Certo homem deu uma grande ceia e convidou a muitos. À hora da ceia enviou o seu servo para avisar os convidados: Vinde, porque tudo já está preparado. Não obstante, todos à uma começaram a escusar-se. Disse o primeiro: Comprei um campo e preciso ir vê-lo; rogo-te que me tenhas por escusado. Outro disse: Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las; rogo-te que me tenhas por escusado. E outro disse: Casei-me, e por isso não posso ir. Voltando o servo, tudo contou ao seu senhor. Então, irado, o dono da casa disse ao seu servo: Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos. Depois lhe disse o servo: Senhor, feito está como mandaste, e ainda há lugar. Respondeu-lhe o senhor: Sai pelos caminhos e atalhos e obriga todos a entrar, para que fique cheia a minha casa. Porque vos declaro que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia.

O consumismo e as ambições materiais têm que estar sob o completo domínio da sabedoria de Cristo para não sufocarem a Palavra de Deus no coração do discípulo. O cristão deve ser capaz de dizer como Wesley: "Desfaço-me do dinheiro o mais rapidamente que posso para que, porventura, ele não encontre o caminho do meu coração". Instalar a segurança da vida sobre as riquezas é dificultar a entrada no Reino de Deus. É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha.

Até mesmo algo tão significativo quanto a morte na família é menos urgente que o convite de Jesus. Enterrar o pai não é tão importante quanto pregar o Reino de Deus. O Mestre diz: "Deixa aos mortos o enterrar seus próprios mortos. Tu, porém, vai, e prega o Reino de Deus". O engajamento no discipulado é inadiável e intransferível. Há maior urgência em salvar vidas do que em sepultar os mortos. Este é, todavia, um princípio in extremis, para ser praticado diante da necessidade irresolvível de se fazer uma opção.

Seguir Jesus é caminho sem retorno. Pelo menos é assim que o candidato deve encarar. "Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás, é apto para o Reino de Deus". Não pode haver titubeio. Avançar é a única alternativa viável. O discípulo diz: "Esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação em Cristo Jesus".

O caminho com Jesus não conduz aos palácios, às mansões majestosas ou às alturas da glória do mundo. Seguir o Mestre leva mais facilmente ao desabrigo do que a um colchão d'água. É mais provável que vá dar em um pequeno apartamento do que em uma suíte presidencial. Não raramente as raposas e as aves encontrarão maior conforto e segurança domiciliar do que alguns engajados seguidores de Jesus. "As raposas têm os seus covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. Diante de tais conclusões, um candidato ao discipulado desistiu do percurso existencial, social, econômico e espiritual da trajetória cristã. Ler o que Paulo declara sobre a vida dos ministros de Cristo, vivendo as mais sublimes expressões do Reino de Deus e as conseqüências de tais compromissos aos olhos do mundo, comprova a realidade desta afirmação: "Pelo contrário, em tudo recomendamo-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pureza, no saber, na longanimidade, na bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido, na palavra da verdade, no poder de Deus; pelas armas da justiça, quer ofensivas, quer defensivas, por honra e por desonra, por infâmia e por boa fama: como enganadores e sendo verdadeiros; como desconhecidos, e entretanto bem conhecidos; como se estivéssemos morrendo e eis que vivemos; como castigados, porém não mortos; entristecidos mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo.

Sim, é indispensável que aqueles que pretendem seguir Jesus avaliem com coerência e seriedade o projeto de vida para o qual estão sendo convidados. Decididamente eles têm que querer. E querer mesmo. Este desejo deve ser mais forte do que a vontade de casar, ter um diploma de faculdade, ter filhos e inclusive ser feliz. (Não se está estimulando a abstinência ou a desistência de nenhuma dessas realidades; coloca-se apenas o desafio de que a ambição do discipulado esteja acima dessas ambições, não tendo, necessariamente, que ser extirpadas da vida.) Seguir Jesus deve ser o desejo supremo, a decisão mais importante. "Pois qual de vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro para calcular as despesas e verificar se tem os meios para a concluir? Para não suceder que, tendo lançado os alicerces e não a podendo acabar, todos que a virem zombem dele, dizendo: Este homem começou a construir e não pôde acabar". Quem começa tem que acabar.
A torre da vida não pode ser abandonada no meio do caminho. O fracasso de não concluir a obra tem um eco eterno. Prepare os seus contingentes morais, psicológicos e espirituais para enfrentar o inimigo nesta peleja. "Qual é o rei que, indo para combater outro rei, não se assenta primeiro para calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o que vem contra ele com vinte mil? Caso contrário, estando o outro ainda longe, envia-lhe uma embaixada pedindo condições de paz".

Discipulado é como a escada de Jacó; só termina no céu. É obra a ser realizada durante toda a vida, sem feriados nem dias santos. Até dormindo tem-se que estar alerta. Diante de todas essas colocações é que fica clara a razão de o discípulo desejar o discipulado e estar decidido a seguir o Mestre.

Nos dias em que vivemos, quando a mensagem do Evangelho tem sido insípida e diluída, sem substância, talvez me julguem estar exagerando ou tentando direcionar os desafios de vida aqui expostos para uma classe de pessoas especialmente vocacionadas. Imaginam que os comerciantes, industriais, empresários, fiscais da Fazenda, políticos, advogados e gerentes de bancos estão isentos desse projeto de vida. Pensam: É possível que tal convite se dirija especificamente ao clero, à classe religiosa, aos pastores e obreiros, ou aos crentes muito consagrados. Acontece que a Bíblia não conhece essas distinções. Não há clero, laicato, pessoas de tempo integral e de tempo parcial, o grupo dos crentes simples e dos discípulos engajados. Jesus só tem uma categoria de seguidores: discípulos. Para estes, sua salvação é comum; sua vocação também; os privilégios, idênticos. Finalmente, a missão de cada um, modelada na missão do próprio Jesus, é a mesma para todos. Se convidamos as pessoas a seguirem a Jesus sem sermos honestos com elas, mostrando-lhes até onde pode levar a coerência desse estilo de existir em Cristo, estaremos sendo mercadores da Palavra de Deus, camelôs do Evangelho, não discipuladores que falam em nome de Cristo, na presença de Deus, com sinceridade e da parte do próprio Deus.

O segredo está em aprendermos a colocar todas essas coisas sem o peso do legalismo, do modismo da santidade aparente e do cosmético da pseudopiedade. É o amor de Cristo que nos constrange a viver dentro desse padrão. Trata-se de vida. E o que tem relação com a vida é natural. Cristo não nos chama para um desempenho teatral, mas para uma proposta de vida. E se o amor for a fonte propulsora dessa existência e a substância da alma de discípulo, seguir-lhe os passos torna-se algo natural. Em vista disso, quando um discípulo cai, Jesus apenas questiona seu amor: Tu me amas? Se me amas, então segue-me. O amor responde à altura do convite ao discipulado. O discípulo aprende humildemente.

O seguidor de Jesus não é nem um descobridor nem um pesquisador autônomo, mas apenas um aprendiz. Dele se requer que se limite a seguir a Jesus, aceitando que Cristo é o Absoluto dos absolutos, o Senhor dos senhores, o Rei dos reis, o Mestre dos mestres, o Tudo de todos. "Quanto a ti, segue-me".

Limitar-se a seguir a Jesus é limitar-se no Ilimitado; é deixar-se aprisionar pela Liberdade; é conter-se no Infinito. Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. "Permanecei, pois, firmes, e não vos submetais de novo a jugo de escravidão". Todavia, para viver nesse espaço moral, existencial, psicológico, social e espiritual, o discípulo tem que aprender a aceitar a disciplina. Um seguidor de Jesus sem disciplina é como argila sem modelador. É como a terra no princípio: sem forma e vazia; é bastardo, não filho, criado como rebelde nas esquinas da vida. Quando se fala em disciplina, fala-se em algo que "no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça". Uma das poucas maneiras contemporâneas de essa confrontação se dar, além de pregação, ensino e convívio franco com os irmãos, é quando se tem a capacidade de ler a Bíblia contra si mesmo.

Nesse andar após Jesus o discípulo precisa aceitar fortes repreensões. Deve ser capaz de ouvir: "Arreda Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus e, sim, das dos homens", sem escandalizar-se e sem ser tentado a abandonar a caminhada. Também aceita dramáticas lições sobre humildade na presença de todos, admitindo que os grandes no Reino são os pequenos, e os fortes e poderosos são os humildes. Descobre que no discipulado a ordem natural das coisas é subvertida. Aprende que a ética do mundo de Jesus é a contracultura da presente ordem das coisas, pois Cristo, chamando-o, diz: "Sabeis que os governadores dos povos dominam, e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será o vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Nesta conclusão, capta-se outra vez o "após mim" de Jesus na expressão "tal como o Filho do Homem".
O discípulo não pode ser cheio de melindres, um hipersensível, um não-me-toques, pois muito freqüentemente suas opiniões serão contraditas e as sugestões reduzidas a pó ante a realidade irreprimível do amor de Deus e do Absoluto que o Amor manifesta no Reino de Deus. Repressões ortodoxas feitas pelos discípulos têm que ser, não raras vezes, repensadas, assim como posições intolerantes e rabugentas reavaliadas, mesmo diante de crianças: "Trouxeram-lhe então algumas crianças para que lhes impusesse as mãos, e orasse; mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, disse: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus".

O seguidor é aquele que anda após Jesus. Caso contrário, não é seguidor, é batedor. E nesse caminhar após Jesus os seus atos sectaristas e ortodoxos não raramente serão censurados em função da miopia espiritual da perspectiva do grupo que sempre acomete o discípulo. O aprendiz possui uma forte tendência a tornar-se um segregário, um sectário e um purista doutrinário. É capaz de, em nome da ortodoxia sem amor, proibir alguém de fazer o bem em nome de Jesus, somente porque não faz parte do seu grupo de discipulado. Tais atos fiéis são censurados por Jesus com uma lógica imbatível: "Não proibais; pois quem não é contra vós outros, é por vós". E assim como os atos vêm a ser facilmente questionados, as motivações que levam alguém a realizar a obra de Deus também não estão livres de censura. Muito facilmente o discípulo confunde zelo e fanatismo, fidelidade com legalismo, paixão com revanchismo e coragem com ódio. Jesus sempre questiona as motivações. Tão logo a pseudomotivação santa pretende trazer fogo do céu sobre homens, ele intervém: "Vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do homem não veio para destruir a alma dos homens, mas para salvá-la".

Concluindo, deve ficar claro que o lugar do discípulo é após Jesus, e como humilde aprendiz, pois a obra à qual ele é enviado a realizar não é um jogo de sortes e tentivas. Não pode ser escolhida, através de uma roleta-russa metodológica. O aprendizado para a obra de Deus dispensa os critérios de eliminação por erros. As instruções já estão dadas. Os perigos já estão apontados. Os métodos já estão definidos.

Surgiram em nossos dias alguns professores pardais da metodologia eclesiástica e evangelística. São os inventores de novas maneiras de evangelizar. Todavia, Jesus continua nos chamando para andarmos após ele. E nesse caminhar há liberdade para as devidas contextualizações e a criatividade inerente ao espírito humano. No entanto, critérios já estão definidos dentro da firmeza da Palavra de Jesus e com o aval do sucesso do seu ministério, cuja semente, morta, deu fruto em nossa vida.

Na concepção neotestamentária da formação do caráter cristão no interior do discípulo, a confrontação é uma estratégia indispensável. Paulo se refere ao fato de tal processo ser imprescindível na escola do aperfeiçoamento dos crentes: "o qual anunciamos, advertindo a todo homem e ensinado a todo homem perfeito em Cristo; para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim". Hoje não temos muitos discípulos, na plenitude do termo. Temos sim, dissidentes, gente que morde e que se morde, tão-somente recebam instruções, repreensões e questionamentos. Ainda não aprendemos o que significa o "vir após mim" de Jesus. E sem tal compreensão não há discipulado. O discípulo entrega os seus direitos a Deus e ao próximo.

A fórmula teológica, comportamental e psicológica através da qual Jesus traduziu essa afirmação é a seguinte: "A si mesmo se negue". Poucas verdades têm sido tão mal compreendidas quanto esta que se refere ao imperativo da autonegação. Em razão deste fato acho melhor começar dizendo o que não é autonegação. Corre no meio evangélico a idéia de que autonegação é aniquilamento da vontade. Contudo isso é falso. A volição é parte fundamental da estrutura sadia da psique humana. A pregação da aniquilação da vontade não é cristã, é budista. Em razão disto há milhares de cristãos vivendo num cristianismo doutrinário, com a interferência de uma espécie de budismo psicológico e existencial. Não me admira que tal conceito de autonegação tenha vindo de cristãos do Extremo Oriente, como Watchman Nee. Não resta dúvida de que o negar-se a si mesmo tem suas implicações na vontade humana. Entretanto, isto não deve diluir toda a vontade da pessoa.

Pela má compreensão dessa realidade há os que pensam que a autonegação acerca da qual Jesus falou é a antítese de tudo quanto possa se constituir em desejo. Neste caso, até a negação de si seria um desejo contra todo desejo natural. Alguns absolutizam tanto este conceito que chegam a incluir entre as vontades que devem ser golpeadas o desejo de pregar o Evangelho, declarando: Este desejo vem da alma. E com esta idéia vão budificando o Cristianismo, transformando seus seguidores em seres cujo ideal é a impessoalidade, a morte da pessoa, do desejo, da vontade e, por fim, da vida plena. Se têm desejo de ir à praia, se proibem: afinal, isto é uma vontade. Se sentem vontade de saborear determinada comida, negam-se. Afinal, isto é um desejo.
Também negar-se a si mesmo não é tornar-se um mórbido alienado, uma espécie de avestruz, com a cabeça enterrada no buraco da religião, pensando que assim pode se refugiar definitivamente do mundo. Alienação não é autonegação, mas suicídio intelectual, social e humano. É exílio da humanidade individual no cativeiro do escapismo religioso.

Outra faceta distorcida do convite de Jesus à autonegação é aquela que se expressa em termos de um meticuloso intimismo legalista. Esta maneira de entender o convite de Jesus transforma a alma em algo parecido a um loteamento de cemitério, onde muitas cruzes têm de ser fincadas a fim de se matarem as áreas vivas da alma. E isto não passa de uma negativa atitude castrante. Trata-se de uma autonegação que só se volta sobre si mesma. Paradoxalmente, vem a ser um autonegar-se egoísta. Negam-se para si mesmos, não apenas a si mesmos. Ninguém é beneficiado com tal atitude. E a vida se torna prisioneira, agrilhoada na cadeia psicológica da falsa perspectiva da autonegação.

A auto-anulação que não gera ação e obras altruístas em favor dos outros é apenas suicídio existencial e psicológico. É a repetição do isolamento dos mosteiros medievais na dimensão do santuário da alma humana. Esse negar-se a si mesmo só é sadio se implica um dar-se a si mesmo.

Autonegação não é automartírio. Não é arriscar desnecessariamente a vida. Não é autoflagelação, seja física, seja psicológica. Na perspectiva do negar-se a si mesmo não podemos nos esquecer de que Jesus veio para que tivéssemos vida e vida em abundância.
Negar-se a si mesmo também não é praticar exercícios ascéticos. Não podemos nos esquecer de que quem nos incitou ao negar-se a si mesmo foi Jesus de Nazaré, aquele que comeu sem lavar as mãos, freqüentou a casa dos fiscais de renda que recebiam propina, aceitou sentar-se à mesa com pecadores, e foi chamado de glutão e bebedor de vinho porque comia com alegria e entusiasmo.

Negar-se a si mesmo não é nada que vai além do projeto de vida de Jesus. Qualquer invenção de autonegação que não seja encontrada e praticada na vida de Jesus é doentia, patológica e sub-humana. Cristo é o protótipo da autonegação. Nele a autonegação não é incompatível com felicidade. Nele o negar-se a si mesmo admite a tensão existencial vivenciada por Paulo: "entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo". Quando o cristão pratica o verdadeiro negar-se a si mesmo é que o seu eu se purifica. E nesse processo morre não o ego, mas sim o ego-ísmo.

Além de ser promovida pelo dar-de-si, essa autonegação pode também ser resultado das pressões produzidas pelo estilo de vida do cristão: "Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal".

Negar-se a si mesmo é renunciar a tudo quando se tem, pois há muitos aspectos daquilo que somos mais fáceis de serem renunciados do que algumas coisas que temos. E mais: a autonegação envolve a renúncia da possibilidade de praticarmos o pecado moral e motivacional. No entanto, muito acima disso está o abrir-se inteiramente a Deus e ao próximo. Negar-se a si mesmo só faz sentido se for um negar-se por alguém que não seja o próprio eu. E as duas únicas categorias de existência consciente fora de mim para as quais preciso doar-me são Deus e o próximo. Assim, a autonegação do ponto de vista cristão se realiza na autonegação coincidente com uma reação altruísta.

Aceitar o convite de Jesus para segui-lo já implica, pois, o início desse processo, já que, para andar com ele, o discípulo tem que estar disposto a negar tudo, desde os bens materiais até os relacionamentos afetivos.

O discípulo nega-se a si mesmo Jesus traduz esta afirmação aparentemente contraditória com uma declaração original: Dia a dia tome a sua cruz. A proposta começa com a expressão dia a dia, o que significa a ausência de feriados, descanso e distração. Nessa declaração Jesus faz jungir sua proposta à ininterruptibilidade do fluxo da existência. É todo dia, em todo lugar e a toda hora, vinte e quatro horas por dia. O que nos faz lembrar o salmista: Até de noite o coração me ensina.
Tal apelo pervade todos os recônditos da experiência humana e faz do calendário do cristão uma via crucis. E nem sempre esta via crucis é uma via sacra. Alías, a via crucis coincide mais freqüentemente com a via secular, já que o dia-a-dia do discípulo é mais vivido no mundo - onde ele é sal e luz - do que na igreja - onde ele repousa e refrigera a alma.

Mais uma vez Jesus introduz no seu apelo ao discipulado o elemento vontade. Ele diz: Tome a sua cruz. E o texto estabelece uma sequência: A si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz. Isto significa que só depois de nos esquecermos de nós mesmos é que estaremos prontos e com vontade suficientemente forte para tomarmos a cruz. Estranho paradoxo: só depois de negar-se a si mesmo é que o discípulo tem a força necessária para autenticar-se no mais valoroso, altruísta e abnegado ato de vontade, ou seja, tomar a cruz. Note-se, porém, que a cruz a ser tomada já está preparada desde antes da fundação do mundo. O convite de Jesus é claro: Tome a sua cruz. A cruz é sua; é minha. Cada um de nós a tem, é somente carregando-a que nos tornamos aptos a praticar boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.

Ninguém pode fugir. Todo discípulo tem a sua. Cristão que não a tem não é cristão; é humanista, é bondoso, é caridoso, é qualquer outra coisa, menos discípulo. Cristo nos coloca diante do cotidiano desse levar a cruz, confronta-nos com a necessidade de a tomarmos livremente, e nos garante que cada um tem a sua própria. Contudo, precisamos ainda de alguns esclarecimentos. O que significa, de fato, esta cruz? Qual a sua natureza? Em que se caracteriza? Quais os seus propósitos? Usaremos uma estratégia já empregada e, antes de entrarmos no aspecto positivo da descrição do que seja carregar a cruz, definiremos o que não é carregá-la.
Carregar a cruz não é desventura. Não é azar. Não é ser pé-frio. Não é ter uma sogra insuportável ou um patrão impossível de com ele conviver. Também não é cair da ponte, escorregar da escada ou quebrar a cabeça. Não é sofrimento natural. Também não é sofrimento ocasional causado por circunstâncias desagradáveis que provém da incompatibilidade de gênios e temperamentos. Levar a cruz não é ser acometido de enxaqueca ou reumatismo, nem tem relação com artrite. Levar a cruz não é sofrimento físico provocado por desordens no corpo humano. Afirmo isto porque, não raramente, ouço pessoas dizerem: Meu marido é minha cruz; ou Esse menino é meu calvário; etc. Quando muito, estas coisas podem ser fardos, jugos, opressões, ou espinhos na carne. Cruz é outra coisa.

Para o discípulo, levar a cruz tem, pelo menos, quatro dimensões:

1) Inclusão na Cruz de Cristo. Cada discípulo está morto com Cristo: "Porque se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente seremos também na semelhança da sua ressurreição; sabendo isto, que foi crucificado com ele nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos". Paulo disse: Estou crucificado com Cristo. Nesta dimensão a cruz tem a ver com a nossa salvação, e carregar a cruz é permanecer na graça salvadora de Deus em perseverança e santidade, identificados com a morte salvadora e vicária de Jesus, mantendo comunhão com os seus sofrimentos, conformando-nos com ele na sua morte.

2) Paixão existencial, psicológica e emocional. Para Jesus, carregar a cruz foi também um ato de paixão: "Esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou por mim". Jesus Cristo, a fiel testemunha, o primogênito dos mortos, e o soberano dos reis da terra, aquele que nos ama e nos libertou dos nossos pecados. Paixão por Deus, pela vida e pelos homens. Só um apaixonado morre para salvar o objeto do seu amor.
Na cruz do discípulo não pode faltar paixão, gemido e desejo de dar-se a si mesmo. Paixão é amor aquecido. É coração incandescido pelo fogo do sentir. Assim deve ser o discípulo: um ser virtualmente apaixonado por Deus e pelos homens, ainda que isso implique morte. Morrer pode ser a mais profunda maneira de sentir paixão pela vida, ainda mais quando se crê que esta é eterna.

3) Rejeição social, familiar e religiosa. Paixão e rejeição não são a mesma coisa. Pode haver paixão sem rejeição. No entanto, toda rejeição gera choro, gemido, desejo, paixão. É bem possível que a paixão venha acompanhada de honra e de admiração. Um homem apaixonado nem sempre é rejeitado. No discipulado, entretanto, a paixão é a irmã gêmea e inseparável da rejeição. E é neste ponto que a rejeição faz da paixão mais paixão ainda, pois a rejeição tira dela sua honradez e dignidade. A paixão aliada à rejeição é paixão pura, sem glória humana.
Não é difícil perceber que é para esta dimensão da cruz que todos os discípulos estão caminhando. Todos que querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos. A coerência absoluta com Jesus gera hostilidade. Andar com Cristo significa tornar-se espetáculo ao mundo, tanto a anjos como a homens. É ser a reação da bênção à força de maldições. É ser considerado o esgoto do mundo, a lixeira da sociedade, a escória da civilização.

4) A solidariedade na dor do outro. A cruz de Cristo foi um levar de dores, enfermidades, iniqüidades e injustiças, que teve efeitos vicário, salvífico, substitutivo e inclusivo. Com o cristão é diferente. Nossa cruz não produz nenhum desses efeitos.
Todavia, permanece o efeito da solidariedade: "Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei. É interessante observar que esse levar as cargas tem relação, no contexto antecedente de Gálatas, com o pecado do irmão. A solidariedade do discípulo tem que atingir o nível de empatia que acometeu o coração de Paulo: "Quem enfraquece que também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza que eu também não me inflame?". Ou: "Agora me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja. Chorar que os que choram é uma forma de carregar a cruz". No entanto, muito mais que isso é chorar pelos que não choram. Foi nesse nível que Jesus se solidarizou com a vida humana indiferente e empedernida.
O discípulo deve ser o nervo exposto dos que não têm sentimentos. O discípulo aprende com o que Jesus ensinou e viveu.
A conclusão dinâmica de Jesus no convite ao discipulado é: "Siga-me". Nos dias de Jesus de Nazaré, na terra da Palestina, isto significava andar junto, comer a mesma comida, beber a mesma água, dormir nos mesmos lugares, passar o dia juntos, correr os mesmos riscos e assistir às mesmas maravilhas. Seguir a Jesus era algo histórica e geograficamente definido pela realidade do convívio físico. Como João explica, esse seguir equivalia a ouvir uma voz com um timbre certo, contemplar um rosto que tem fisionomia, apalpar um corpo concreto, enfim, manter comunhão com uma pessoa real no tempo e no espaço. Agora, no entanto, é diferente. Jesus está no céu, à direita de Deus, cheio de poder e glória, e nós estamos aqui neste mundo de perplexidade e revolta. Para nosso supremo consolo, Jesus vive em nós na pessoa amável e doce do seu Espírito. Todavia, em razão disso esse siga-me tomou outra dimensão. Tem implicações na vida concreta e geográfica, na medida em que o caminhar com Jesus desemboca na perspectiva ética, o que por vezes nos afasta de certos lugares por onde Jesus não passou nem passaria. Mas provavelmente isso se aplica mais ao palácio do caudilho do que à casa do pecador. No entanto, a dimensão desse siga-me é comportamental e motivacional. Seguir demanda do discípulo uma disposição prática quanto a assumir um estilo de vida dinâmico, desinstalado, imprevisível e perigoso.

Seguir Jesus é acompanhar o caminho de Deus, é aprender como ele reage dentro da condição humana. E para que isso seja possível, torna-se indispensável que estudemos o estilo de vida humano de Jesus de Nazaré, conforme revelado nas Escrituras: Em Cristo nós sabemos como Deus é e como o homem deveria ser.

A ênfase que daremos ao existir humano de Jesus tem a finalidade de contrapor-se à idéia de que apenas seus ensinos devem ser estudados. Na verdade, a única maneira de fazer teologia e usar acertadamente a hermenêutica é fazer da vida de Jesus a chave para a interpretação e prática do seu ensino. Estudar a ética do Sermão da Montanha sem tentar discernir como Jesus a viveu nos seus três anos de ministério é correr o risco de exagerar as lições ou reduzi-las ao padrão do mesquinho legalismo humano. Tudo o que ele ensinou, ele viveu. Ele é o Verbo que se fez carne. Suas palavras ganharam sangue, nervos, respiração, pele e suor. Acompanhá-lo é unir-se à sabedoria com rosto e olhos. Conhecê-lo é mergulhar no poço humano do conhecimento pleno. Aventurar-se com ele é desenterrar o tesouro da verdade eterna, cujas jóias brilham mais que as estrelas no firmamento. Cristo é a Vida, e só pode ser dignamente chamado de vida aquele existir que dele brota. Fora de Cristo as coisas existem mantidas pelo seu poder de coesão, mas não têm vida no sentido essencial da palavra, conforme entendida por Deus.
É nesse sentido e nessa visão de que a vida de Jesus é o único e definitivo caminho do discípulo que vamos andar. Jesus é aquele em quem haveremos de nos esteriotipar. Ele é o arquétipo, o modelo, o único verdadeiramente Homem. Nós nos tornamos, hoje, meras distorções desse ideal. Por isso, daqui para frente, neste trabalho, tentaremos andar lado a lado com Jesus, a fim de que com ele aprendamos a VIVER.

Jesus nos ensina a ser objetivos e diretos

Com Jesus não aprendemos a fazer rodeios nem a pronunciar meias-palavras. Também não é ele que nos ensina o famoso jogo de cintura, nem a aplaudida diplomacia mineira. Nele não encontramos palavratórios desnecessários adubados com frases ocas e vãs. A prolixidade não tem vez nos seus discursos. Ele jamais desejou impressionar os seus ouvintes através da retórica. E sua vida, mais do que suas palavras, foi extremamente prática e objetiva. Dormia à noite, mas também sabia aproveitar para o seu repouso os momentos em que lhe era impossível fazer outra coisa, como no intervalo entre um e outro trabalho evangelístico. Seu senso de objetividade lhe permitia concluir que trabalhar em meio à exaustão é improdutivo e, neste caso, é melhor descansar.

Os mandamentos de Jesus, ordens claras e instruções definidas, são também capazes de nos ensinar a ser objetivos e a conquistar um senso de direção. Nunca encontraremos dubiedade em suas palavras:

- Reconcilia-te com teu irmão

- Não jures de maneira alguma

- Não resistas ao perverso

- Amai os vossos inimigos

- Orai pelos que vos perseguem

- Não saiba a esquerda o que faz a direita.

- Vende teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu

- Ninguém pode servir a dois senhores

- Buscai em primeiro lugar o reino de Deus

- Não julgueis para que não sejais julgados

- Não deis aos cães o que é santo

- Pedi e dar-se-vos-á

- Entrai pela porta estreita

- Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus.

Era muito provável que tais fórmulas éticas e teológicas ganhassem outras articulações em nossos lábios:
- Seria muito interessante você tentar fazer as pazes com o seu irmão.
- Faça o possível para não jurar. Certo?
- Saia de mansinho da presença do perverso, está bem?
- É muito difícil, mas mesmo assim tente amar o seu inimigo. Quem sabe
você consegue.
- É mesmo improvável que se consiga servir a dois senhores. Todavia, só você é que pode avaliar isso. Cada caso é um caso.

Além das lições que as palavras do Senhor Jesus encerram em si mesmas, como articulação do pensamento exposto, elas nos ensinam também que devemos ser pessoas diretas e práticas. Nosso raciocínio dever ter rumo e endereço. Nossas idéias devem ter sucessões conectadas. A avalanche de nossos pensamentos deve ser obrigada a entrar pelo conduto da objetividade. Ao contrário dos nossos, que mais se assemelham à chuva fina e espaçada, os pensamentos de Jesus são como o jorrar concentrado de uma cachoeira.

Se como seus discípulos aprendermos a falar objetivamente como ele, então a mensagem do Evangelho tornar-se-á clara e límpida em nossa boca. Não mais acontecerá que, na tentativa de esclarecermos um texto ou uma idéia cristã para alguém, deixemos a pessoa mais confusa ainda. Outra área na qual notamos a objetividade de Jesus é no seu critério de seleção de discípulos. Não o vemos impressionado com as multidões nem com o frenesi das massas. Ele sabia que estas são semelhantes às nuvens do céu: nada mais que vapor. A massa humana ovaciona, aplaude, elogia, acompanha, enche auditórios e aduba o ego do homem tolo, mas não faz ecoar para sempre as palavras de alguém. Por isso Jesus nunca se iludiu com elas. Compadecia-se delas.Curava-as freqüentemente. Mas não se impressionava nem com o seu número nem com a sua adesão.

Quando notou a superficialidade de seus interesses e o materialismo de suas idéias, ele as censurou. Quando percebeu que havia muita gente curiosa em volta de si, colocou o mar como filtro de interesses. Jesus não foi um purista religioso que primava exclusivamente pela aparente qualidade; ele sabia também que o seu trabalho não alcançaria a objetividade desejada caso se dedicasse apenas às multidões. Por isso, além de ser um homem de grupos terciários (200 pessoas em diante), foi prioritariamente Mestre de grupos primários (de uma a doze pessoas). Quem lida apenas com as multidões trata com o hoje, com o agora, mas não forma nada para o amanhã e, pior, não se forma nem se reproduz em ninguém. Não pode dizer como Paulo: "Por esta causa vos mandei Timóteo, que é meu filho amado e fiel no Senhor, o qual vos lembrará os meus caminhos em Cristo Jesus, como por toda a parte ensino em cada igreja".

Jesus preferia ter menos gente na missão do que pessoas reclamando da comida e do desconforto. Sabia que era mais fácil trabalhar com poucos, mas dispostos, do que com muitos sem sentido de urgência. Entendia que poucos mas rijos chegariam a um melhor resultado do que muitos sentimentalistas. Optou por ter menos gente ao seu lado, preferindo isto a liderar um grupo grande de duvidosos e insubordinados. A objetividade de Jesus semanifesta até mesmo no momento da traição: "O que pretendes fazer, faze-o depressa".

Também ninguém foi mais prático do que Jesus. Foi prático sem ser pragmático. E a sua praticidade tem suas marcas até nos sacramentos que instituiu: "Tomai, isto é o meu corpo. Bebei, isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos". Seu batismo é simples; é ministrado com elemento básico, água, podendo ser praticado sem testemunhas, em qualquer lugar: no deserto, num quarto, numa sala, num rio; e a qualquer pessoa, contanto que haja arrependimento e fé.

Sua marcha para o calvário também foi marcada pela objetividade: "E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ser ele assunto ao céu, manifestou no seu semblante a intrépida resolução de ir para Jerusalém". A partir desse momento Jesus só pára a fim de instruir acerca do amor ao próximo, para um breve lanche com os amigos, para libertar os oprimidos pelo diabo e para confrontar os hipócritas. Seu caminho era, no entanto, para a frente. Sem recuo. Sem retrocesso. Nenhuma ameaça o intimidava. A raposa não o impediria na sua obra redentora, pois seu tempo havia chegado. Era preciso terminar o que havia começado. Até seus soluços são rápidos, apesar de apaixonados. Não havia tempo para um longo período de lamentação sobre Jerusalém. Era chegada a hora de ser paradoxalmente glorificado o Filho do homem e, quando esse momento chega, o relógio divino não admite atraso. A hora é certa. Não pode faltar objetividade no cumprimento do calendário profético. Tal deve ser também o discípulo - uma pessoa com senso de direção e objetividade: "Assim corro também eu, não sem meta; assim luto, não como desferindo golpes no ar". Urge que nossos alvos sejam claros. Nossas idéias não devem ser comparáveis a sombras disformes. Temos que, pelo menos, ver como por espelho. Nossa mente deve ser capaz de definir propósitos, meios de ação e objetivos específicos. Jesus nos ensina a ser lógicos.

Sopram sobre nós os ventos da ilogicidade, respaldada numa falsa idéia de espiritualidade. Tais brisas nos trazem as contraditórias idéias que concluem sobre a não confiabilidade das idéias. Contraditoriamente, para se crer em tal conclusão, tem-se que confiar no mundo das idéias. Por outro lado existem também as ventilações dos raciocínios dicotomizados. São as ponderações dos que pretendem criar uma abismal separação entre a razão e o coração, como se ambos fossem adversários. Todavia, aquele que disse: "Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força" não parecia encontrar tal dicotomia ou policotomia na estrutura essencial da criatura humana. Coração e entendimento participam juntos na lógica do culto. No entanto, para Jesus, nem a razão é a prostituta, como no dizer de Lutero, nem é tampouco a deusa idolatrada no Iluminismo. Para ele, a razão é apenas um elemento, um dos componentes com os quais Deus aquinhoou o homem, e que deve ser usado para seu serviço, e do próximo, através da mediação da fé que atua pelo amor calcada inarredavelmente nas Escrituras. Por isso mesmo, as interpretações de Jesus acerca das Escrituras apelavam inevitavelmente para a lógica. Lógica sem logicismo. Racionalidade sem racionalismo. As diferenças entre as expressões não são apenas semânticas. Os ismos são sistematizantes e fechados: pressupõem que tudo o que existe é passível de ser equacionado dentro de um sistema. Enquanto os atributos - lógica e racionalidade - partem de pressupostos revelados, incontestáveis e indefectíveis, a fim de, sobre estas bases não-movediças, erguerem seus sistemas racionais. Jesus demonstrou essa maneira de raciocinar partindo da causa para o efeito.

Ele mandou amar os inimigos, mas essa ordem era lógica: "Deus faz nascer o sol sobre maus e bons e vir a chuva sobre justos e injustos". Ora, se todos são objetos da graça comum, por que, então, não devem os filhos de Deus reproduzir esta manifestação da Graça à comunidade humana, indistintamente?

Fazer o bem a todos indiscriminadamente foi outro de seus mandamentos. Mas por quê? Ora, porque as recompensas espirituais resultam da prática do extraordinário, e não do ordinário.
A monogamia foi por ele defendida. Cada homem deve ter apenas uma mulher, e vice-versa. Alguém que indague o motivo deve verificar que no princípio do mundo, antes da queda, era assim: um homem vivia com uma única mulher. Tal era o plano-piloto de Deus, e somente dentro deste comportamento em família é que encontramos o verdadeiramente natural.
Não apenas não matar ou não adulterar, mas não permitir que tais sentimentos, motivações e pensamentos ocupem o coração. Por quê? Porque eliminar o efeito sem afastar a causa é o mesmo que colocar esparadrapo em leucemia.

Jesus curou em dia de sábado. Diante da oposição levantada contra seu ato, disse: "Não é o homem para o sábado, mas o sábado para o homem". Esta aparente rebeldia e insubordinada declaração é, no entanto, dotada de uma lógica imbatível. É este seu raciocínio: se socorremos animais em dia de sábado, quanto mais a homens, que têm muito mais valor do que aqueles Um dos temas teológicos mais ensinado por Jesus foi o da previdência de Deus. Todavia, a base sobre a qual ele erigia seu ensino era extremamente lógica: quem cuida das aves e faz caso dos lírios não deixará, por certo, de se ocupar dos homens, que têm muito mais valor que uns e outros. Quando ele andava com os párias deste mundo ou aceitava convite para lanchar com fiscais de renda de má fama e conhecidas meretrizes, a fim de lhes pregar o Evangelho, seus argumentos contra os que se insurgiam diante desse seu aparente liberalismo comportamental também era invencível: "Os sãos não precisam de médico e, sim, os doentes".

Quando o rigor ascético dos fariseus tentou amarrá-lo aos usos e costumes irracionais, ele sacudiu de si e dos discípulos o pretendido jugo: "Não é o que entra no homem que contamina, mas o que sai dele". Porque o que entra é reprocessado e vai para o esgoto. Mas o que sai do verdadeiro homem, do eu, vem do coração.

O discípulo de Jesus deve ouvi-lo dizer: Segue-me na minha maneira de pensar. Se pensássemos com as categorias de Jesus e usássemos a sua lógica, muitas interpretações descabidas que tiramos da Bíblia e da vida seriam evitadas. Paulo é o mais típico exemplo do discípulo que aprendeu a usar a lógica de Jesus. Suas cartas obedecem a esboços e idéias conectadas. Romanos é uma apologia da justificação pela fé absolutamente irrefutável. A pregação de Paulo, conforme explicada por Lucas, é de uma lógica inexpugnável. Os verbos usados para descrever sua maneira de expor as Escrituras são todos relacionados à lógica. Quando em apuros no naufrágio, ele declarou que se seu bom senso tivesse sido seguido, nada daquilo teria acontecido.
O discípulo é um ser que pensa, mas cujo pensar está subordinado às Escrituras. Ele não é um filósofo que absolutiza a mente e a razão como deusas das idéias e da verdade. Ao contrário, parte sempre das Escrituras, faz suas idéias viajarem por elas e conlui com elas. A maior lógica do discípulo é afirmar: As Escrituras não podem falhar.

Jesus nos ensina o bom senso e o realismo.

Não é raro imaginar-se Jesus com alguém acima da necessidade de usar o bom senso. Isto porque ele podia manter uma multidão no deserto, sem comida, por ser capaz de fazer um milagre a qualquer momento. Poderia, se quisesse, atravessar o mar sem temer o mau tempo, já que era capaz de acalmá-lo com um simples gesto. E até mesmo lhe era possível andar sobre as águas. Contudo, as idéias que concebemos sobre o modelo de vida de Jesus, a partir destes fatos, são mágicas, irreais e não-razoáveis. Ainda que ele tenha feito as coisas que acima relatamos - como temos certeza de que as fez -, não as realizou como experiência rotineira nem com a despreocupação irresponsável, que inconscientemente a ele se pretende atribuir, em nome de seus poderes divinos.

Alguém disse o seguinte sobre o bom senso de Jesus: O olhar de Jesus vê a vida com bom senso e realismo. Dizemos que alguém tem bom senso e realismo quando para cada situação tem a palavra certa, o comportamento exigido, e atina logo com o cerne das coisas. O bom senso está ligado à sabedoria concreta da vida; é saber distinguir o essencial do secundário; é a capacidade de enxergar e colocar todas as coisas em seus devidos lugares. O bom senso se situa no lado oposto ao do exagero.

Jesus não era como aqueles que pensavam utopicamente que somente o campo do crente é capaz de produzir. Ele sabia que sol e chuva são dádivas comuns de Deus sobre todos os homens, terras e fazendas. Ele conhecia as leis da natureza e não tentava violentá-las (seus milagres são milagres, não violências naturais). Ele não era do tipo que saía no inverno, pela fé, sem agasalho; ou de roupa quente no calor.

Era carinhoso com a natureza, mas não um sentimental: amava os lírios mas sabia que o destino das ervas era o forno. Quando as figueiras brotavam folhas novas, esperava o verão e não o inverno.

Também conhecia tudo sobre safras e entressafras do trigo Se seus dias fossem os nossos, não deixaria um carro constantemente estacionado à beira-mar, porque sabia que a ferrugem destrói; nem dinheiro em caixas velhas, porque tinha visto que a traça rói, tampouco enterraria à vista um tesouro no quintal, pois não desconhecia que os ladrões espreitam, escavam e roubam.
Jesus também não atribui ao cristão um papel diferente no mundo econômico, social e físico. O salvo pode ser pobre e doente, e suas feridas lambidas pelos cães. Ele sabe que os corpos em putrefação atraem abutres. Sabe ainda que a sobrevivência dos pássaros é espontânea.
Percebe claramente que espinhos e abrolhos atrapalham o serviço do semeador. Admite que há gerentes que roubam e são espertos. Conhece o esquema hierárquico entre os militares. Nota que os poderosos da terra exploram os mais fracos. Observa a triste rotina dos desempregados em praça pública. Compreende que todo bom patrão deve exigir contas e relatórios dos empregados. É prático o suficiente para saber que uma casa sem alicerce cai, e que um edifício sem base sólida se arrebenta no chão, casa sobre casa cairá. Também para ele não é surpreendente que uma indústria, comércio ou fazenda bem administrados se tornem lucrativo investimento, ainda que o dono seja um ateu.

Jesus também olhou para as crianças com a ótica do realismo e do bom senso. Delas é o reino dos céus, mas não deixam de ser crianças: suas brincadeiras revelam muito do seu latente egoísmo, sua imaturidade e fortes caprichos. Ele observou como as criancinhas brincam de casamento na praça e os coleguinhas se recusam a danças, ou como querem brincar de enterro mas os outros não querem brincar de chorar.

Não é obscuro para Jesus que o parto seja obra de amor e dor. Sabe que antes que o filho venha ao mundo o que está em relevo é o sofrimento. Ele não era como aquele pastor que afirma que o parto da mulher cristã é menos dolorido. Reconhece no entanto que, após este, a mulher já nem se lembra das dores, pela alegria de ter trazido ao mundo um ser humano. E a sabedoria prática de Jesus prossegue. Sabe que somente exércitos bem treinados podem vencer uma guerra. Conhece as estratégias dos assaltantes noturnos. Admite que a rendição é a única alternativa para um exército incapaz de vencer um confronto armado. Não desconhece que a casa, para não ser assaltada, precisa ter a porta bem fechada e que a vigilância é indispensável. Percebe como deve ser vergonhoso para alguém não terminar a obra que começou E, por último, ele não sublima o relacionamento entre irmãos. Ainda que sejam do mesmo sangue, filhos de um bom e generoso pai, um pode ser ordeiro enquanto o outro indisciplinado, mas este pode ser humilde e aquele orgulhoso. E mais ainda: o ciúme pode ser uma dura realidade entre irmãos.

O discípulo é, portanto, um ser que segue a maneira de viver de Jesus com o mesmo bom senso e realismo do seu Mestre. O que, no entanto, não o afasta dos grandes sonhos, dos grandes ideais, nem da fé que promove os impossíveis. O bom senso não é inimigo dos ideais ou da fé. É com ideais e fé que o discípulo projeta e vislumbra os seus alvos, mas é com bom senso que dá os passos. Ainda que seja fundamental saber discernir os momentos em que o único passo que o bom senso pode e deve dar é um passo de fé.

Jesus nos ensina a ser santo e integralmente humanos.

Estamos habituados a pensar em Jesus com as categorias teológicas do docetismo. (13) Por mais que rejeitemos o docetismo como heresia, não raramente vemos o Senhor Jesus sob uma ótica docética. Vemo-lo como uma espécie de ele, de ser de transição entre a divindade e a humanidade. E quando fazemos a afirmação teológica categórica de que ele é tanto Deus quanto homem, por nossa má compreensão do que seja adoração para com a divindade, parece que inibimos deliberadamente a humanidade de Jesus, como se esta lhe conferisse menos crédito.
Na minha peregrinação espiritual tenho mantido uma surpreendente relação com essas categorias teológicas e reais do Cristo vivo e redentor. Foi só depois que minha mente se abriu para a contemplação da sua humanidade que meu próprio conceito da sua divindade ganhou brilho. É mais Deus quem pode sê-lo enquanto homem. É mais forte quem tudo pode vencer enquanto fraco. Possui total onisciência quem é capaz de tudo ver com o minúsculo olho humano. A humanidade de Jesus acentua o sentido da sua toal divindade.
Alguns trechos bíblicos nos permitem perceber que a humanidade de Jesus é humanidade mesmo. E é somente nesta manifestação do seu existir humano que encontro o modelo para meu próprio existir. Deixando claro que no emprego que fazemos da palavra humanidade não existe qualquer conotação de concessão ao pecado - conforme o sentido que o termo ganhou em nossa cultura - vamos tentar descobrir as mais simples e significativas expressões da humanidade de Jesus.

Ser humano não é ser fraco moralmente. Ser humano é ter sentimentos normais e profundos; é ser sadio nessa categoria e dimensão de existir dentro dos critérios chamados humanos, a cujo grupo pertencemos.

Jesus participou de todos os condicionamentos normais da vida humana. Seu estômago roncava quando tinha fome. Quando o sol era causticante e o seu corpo se desidratava, ele sentia sede. Essa sensação era tão forte que a assumia como parte fundamental do seu existir humano. Por isso mesmo não brincava com a sede de ninguém, nem com a própria. Seu corpo se fatigava como o de qualquer ser humano, não obstante sua saúde perfeita fosse um fato inequívoco, e parte lógica de qualquer teologia que julgue a sua humanidade como isenta de pecado.
Seu corpo conhecia tanto o que era sentir frio como experimentar calor, e sua mente percebia o desconforto, a ausência de um teto seguro e aconchegante sob o qual repousar Jesus não romantizava a questão da sede, do cansaço, do sono, o frio e o desabrigo. Todas essas realidades foram experimentadas e manifestadas em sua vida: quando teve sede, pediu água; ao sentir-se cansado procurou um lugar para assentar-se; e dormiu quando teve sono. Em meio à exaustão preferiu descansar; chorou ao ver um amigo morto, e se emocionou até o choro ao contemplar a cidade que o rejeitara. Quando o perigo da morte e do sofrimento lhe sobrevieram, experimentou tristeza e angústia. Sim, Jesus não romantizou a sua humanidade, ao contrário, assumiu-a com um realismo divino.

A humanidade da mente de Jesus também se manifesta claramente. É preciso sublinhar este fato, à primeira vista um tanto óbvio, porque não raramente somos tentados a olhar para Jesus como possuidor de uma espécie de mente humana, e nos custa admitir que ela fosse humana mesmo. Mas tão verdadeira era a sua humanidade mental, que foi assolada por fortes tentações. As tentações são conflitos mentais, e Jesus foi atacado por eles em todos os níveis, não apenas naqueles que ficaram registrados nos Evangelhos.
Todavia, ele as venceu a todas sem pecado.
Na véspera da execução do Calvário sua psique mergulhou em profunda depressão. A vida de Cristo não nega que a existência humana possa deprimir-se: A minha alma está profundamente triste até a morte. O mundo das emoções e das percepções humanas não foi negado nem escondido por Jesus em sua própria maneira de expressar sua vida humana. Ele manifestou afetividade natural pelas crianças, as quais, abraçando, abençoou. OS pequeninos lhe causavam a mesma emoção que provocam em qualquer ser humano normal. Jesus também dava a si mesmo o direito de impressionar-se com as pessoas, ao ponto de amá-las à primeira vista. Ele extasiou-se diante da fé de um pagão e da sabedoria de um doutor. Na vida humana de Jesus o elemento surpresa era uma possibilidade. Pelo menos na manifestação da sua sadia e integral humanidade ele dava a si mesmo tal direito.

A admiração é um outro fenômeno humano que não esteve ausente da vida de Jesus. Seu realismo não pensava na categoria do "nunca pensei que fosse possível", mas sua humanidade admitia a admiração dos que dizem: "Não imaginei que fosse tanto". Suas emoções são tão fortes quanto humanas e santas. Ele se compadece dos mortos e consola os enlutados Ao se deparar com o povo faminto e desorientado, é tomado por compulsiva compaixão.

Diante da incredulidade chega à indignação, mas não pode deixar de alegrar-se ao perceber que os pobres e simples de coração estavam abertos à realidade do Reino de Deus. Choca-se com a impenitência das cidades nas quais pregou as boas-novas do Reino, e as repreensões que pronuncia são duras e ásperas. Sente-se contristado e indignado ao observar a cegueira espiritual dos fariseus. Também ficamos cientes de que suas emoções necessitavam de desabafo e alívio. Manifesta seu cansaço em relação aos fariseus incrédulos com um profundo suspiro. Quando vê que os discípulos não entendem suas repetidas e ilustradas lições sobre o amor e a compaixão, enerva-se educadamente.

Uma das mais fortes evidências da sadia e integral humanidade de Jesus reside no indiscutível fato de ele experimentar intensamente o fenômeno amizade: seus discípulos são seus servos, mas apesar disso houve em sua vida tempo e espaço para as mais íntimas relações fraternas. Seja no alto do Hermom, seja no aconchego especial que ele deu a João, seja na iniludível preferência que demonstrou pela hospedagem na casa de Lázaro.

Se aprendermos essa realidade sobre a humanidade de Jesus, nosso sentido de espiritualidade mudará inteiramente. A partir dessa compreensão o homem é tanto mais espiritual quanto mais santamente humano. Além disso, cria-se uma nova concepção de manifestação de humanidade piedosa. Com Cristo fica claro que a verdadeira piedade passa, antes de tudo, pelo caminho da verdadeira e santa humanidade, calcada na base da revelação escriturística. A única maneira de sermos sadios e libertos das psicopatologias é buscarmos, no poder do Espírito Santo, a transformação da própria vida, na semelhança de Deus em Cristo Jesus. Jesus nos ensina a ser despreconceituosos.

Em Jesus a verdade tem músculos, cor e pele. Cristo é a verdade. Apesar disso, não vemos nele a intolerância de alguns cuja fria e desalmada ortodoxia é mais uma espada afiada do que a expressão do zelo e do temor do Senhor. Jesus é a pessoa mais aberta que já fez história na Terra. Ele é aberto, sem no entanto ser um liberal sem fronteiras. Nele não vemos pré-compreensões a respeito das pessoas, apesar de conhecer de antemão o que é a natureza humana. Nele não encontramos sintomas de preconceitos ou de pré-julgamentos. Seu dedo nunca é levantado antes de a hipocrisia manifestar-se. Sua voz nunca se ergue antes de a incoerência pretender passar por coerência. Seu juízo nunca vem, senão depois de a injustiça mascarar-se de retidão.

Jesus nos ensina a viver nas fronteiras do amor e da santidade, mas nunca nas do moralismo e do preconceito. Para demonstrar isso ele come com pecadores, toca os intocáveis e alienados cerimonial e socialmente falando, visita a terra dos imundos porqueiros e usa porcos como agentes de misericórdia. Porcos eram animais imundos e impuros para os judeus. Mas Jesus vence o preconceito e os usa como agentes de misericórdia, como ponte de libertação. Senta à mesa com um homem cuja fama é a de ser um sofisticado ladrão, e é capaz de aceitar no seu grupo de discipulado um ex- revolucionário engajado - Simão, do partido esquerdista dos zelotes, cujo engajamento fora tão forte que seu nome mantém o vínculo com a ideologia que defendera. Jesus não leva em conta os preconceitos distorcidos contra os samaritanos, e tanto convive com eles quanto ilustra o amor fraternal através de um fictício personagem de Samaria. Era também capaz de não só visitar os reacionários políticos religiosos de extrema-direita mas inclusive comer com eles. Ele nem mesmo se esquivou de visitar e fazer o bem a alguém da casa do chefe local das forças de ocupação da superpotência que dominava o seu povo. E mais ainda: foi capaz de identificar fé naqueles que foram considerados pela ortodoxia pragmática como inveterados perdidos. Entretanto, uma das provas mais fortes de que não havia espaço para preconceitos é o fato de que, nele, a mulher - então espoliada e minimizada – ganha dignidade e vê desaparecer o seu humilhante estigma de pessoa de segunda categoria. Ele a considerou extremamente útil e apta para fazer parte de sua equipe de evangelização. Não a julgou indigna de colocar as mãos sobre a sua cabeça para ungi-lo meigamente, nem de tocá-lo suave, reverente e docemente, a fim de lhe evidenciar sua imensa gratidão.

Jesus também vence as barreiras das maledicências e falatórios maliciosos, não fugindo às mulheres, mas tratando-as com dignidade e transparência, mesmo em lugar solitário. A malícia procede do coração sujo, não do ambiente solitário. Cabe porém ao discípulo ter todo o cuidado de abster-se de toda a aparência do mal, sem no entanto ser um preconceituoso. No seu rol de amizades íntimas as mulheres também encontraram, espaço e dignidade. Ele não só conversa longamente com elas, como fazia refeições e aceitava hospedagem em sua casa.
Se aprendermos com Jesus, deixaremos de ser preconceituosos e estigmatizantes. Formaremos opinião definida sobre as coisas e as situações, mas nunca a priori. Não nos dirigiremos às pessoas já fechados e psicologicamente enclausurados. Não há tensão entre essa posição e a radicalidade do Reino de Deus. Devemos entender que existe um grandioso abismo entre a radicalidade e o radicalismo, entre a liberdade e o liberalismo, tanto quanto há entre zelo e fanatismo.
Jesus nos ensina a ser pessoas livres dos legalismos religiosos. Estranhamente, Jesus é o cumprimento das Sagradas Escrituras, sem no entanto ser o cumprimento dos modelos religiosos dos seus dias. Nem sempre a religião tem algo a ver com a Palavra de Deus. E isto também diz respeito, não raramente, ao próprio Cristianismo histórico e institucional.

A religião tende a ser o melhor conduto para o esclerosamento de qualquer idéia. Na maioria das vezes ela trabalha mais com tabus do que com a legítima revelação de Deus em sua palavra. O legalismo religioso é o mais forte empecilho ao caminhar do Reino de Deus na direção do novo. Deus trabalha no sentido não da novidade, mas do novo eterno: um novo povo, com novos homens, que possuem um novo coração, vivem a realidade de um novo mandamento, sob uma nova lei, com um novo e eterno mediador, embalados por uma nova esperqança, buscando uma nova cidade, onde se tem um novo nome e onde tudo é novo.

Jesus ensina que o velho pano e o velho odre do legalismo religioso não poderiam suportar a alegria e a realidade da era nova. As novas expressões do Reino de Deus não se conciliavam com as estruturas de castas de uma religião caduca. Era preciso uma nova estrutura e uma nova mentalidade - a mentalidade do Reino de Deus. Devemoster em mente que este ensino de Jesus é tão dinâmico e imutável quanto qualquer outro dos absolutos estabelecidos por ele na sua Palavra. Mas infelizmente isso não tem sido levado a sério. Na maioria das vezes, a igreja institucional evangélica se vê esquecida de que é possível cair na mesma armadilha do farisaísmo judaico. Nesse caso a Palavra de Deus se volta para a igreja-instituição, a fim de julgá-la tanto quanto julgou o judaísmo. Tenhamos pois em mente o seguinte: O compromisso de Deus é com a Igreja que Cristo instituiu como expressão central e orgânica do seu Reino na História presente, e não com a igreja que os homens instituiram para funcionar como seu feudo religioso e instrumento dos seus caprichos. A promessa de Jesus que a sua Igreja seria invencível tem se cumprido e cumprir-se-á sempre. Tenhamos todavia em mente que centenas de igrejas - instituições religiosas - sucumbiram à própria história na sua marcha inexorável na direção do fim. Por isso mesmo a Igreja deve ter senso crítico para avaliar se seus odres culturais, sociais, metodológicos, estruturais e doutrinais estão compatíveis com o vinho (conteúdo) do Reino de Deus. É nessa tensão bendita que todo discípulo deve viver e manifestar sua fé no Senhor.

Jesus patenteou as idéias acima expressas na maneira como enfrentou as controvérsias promovidas pelo legalismo da instituição religiosa judaica. Se ele admitia comer sem lavar as mãos, foi por ter verificado que tal costume carecia de base bíblica. O jejum também não era, na vida de Jesus, um ato mecânico e ritualístico. Tinha seu tempo e sua hora. Refutou a teologia da inviolabilidade desalmada do sábado, ao expor que não fora instruído como castrante, frio e irrevogável capricho divino. Pelo contrário, ele foi estabelecido para benefício do homem, nunca para prejuízo. Os modismos da aparência religiosa patrocinados pelo tipo de indumentária, corte de cabelo e fisionomia tatuada pela palidez religiosa também foram repudiados por Jesus. E ele vai mais além ainda, quando questiona o modus operandi do processo de disciplina do crente faltoso na religião em seus dias.

Ninguém repudiou mais o legalismo do que Jesus. Ele tinha um compromisso único com a Palavra de Deus, e onde quer que a tradição tomasse a força da Palavra, ou a substituísso, ou fosse transformada em regra inviolável que esmagasse as pessoas e as expressões de humildade, do amor, da singeleza e da criatividade santa e reverente, ele a repudiava. O que Jesus propõe é uma espécie de tradição dinâmica, tanto sóbria quanto imaginativa, plena de vida e amor; uma tradição com portas de entrada e saída, que se ancora na Rocha mas anda no compasso da Vida. É com essa compreensão religiosa que o discípulo deve viver. O legalismo faz apagar o Espírito tanto quanto o liberalismo e o ceticismo. "Onde há o Espírito do Senhor, aí há liberdade.

Jesus nos ensina a não ter esquemas pré-fabricados de vida.

A agenda não é senhora da vida de Jesus, nem ele é um ser sem programa. Seu existir humano está entre a criatividade e a disciplina dos hábitos. O fato é o seguinte: a vida de Jesus é dotada de disciplina e de costumes sem que, por isso, se deixe aprisionar por algum esquema ou programa absoluto. A prova disso é que ele acolhia a todos os que o buscavam, sem todavia expor-se desnecessariamente às investidas populares. Ele agia dessa forma sem ser indisciplinado, mas criativo e espontâneo. Cuidava dos acontecimentos à medida que eles vinham, concentrando-se inteiramente em um de cada vez.

Jesus cultivava costumes: celebrava a Páscoa, freqüentava a sinagoga e ensinava sistematicamente. Seu mais forte hábito, porém era o de manter-se aberto à dinâmica da vontade do Pai. Era, por exemplo, capaz de parar uma preleção para atender às crianças, ou deter seu ensino para curar uma velhinha . Contrariou as próprias intenções anteriores, a fim de atender a uma mão aflita. Deteve a passeata evangelística de Jericó para ouvir um mendigo cego à beira do caminho. Atrasou sua importante visita à casa de Jairo para socorrer uma mulher que sofria de uma menstruação crônica, e que se curou pela fé nele. Seu modo de falar também não era produzido: podia variar da dureza à candura. Sua hora de almoço nem sempre era observada; tampouco o tempo convencional de sono. A noite e o dia eram usados por ele. Era capaz de passar uma noite inteira especialmente concentrado em algum motivo de oração. Nada na vida o dominava. Seu compromisso com o Pai e com seu Reino é que traçavam sua agenda.
A ausência de esquemas pré-fabricados evidencia-se claramente pela singeleza e a liberdade com que evangelizava. Sua abordagem evangelística variava de pessoa para pessoa e de situação para situação. Não possuía regrinhas sobre como compartilhar o Reino de Deus em quatro minutos e meio. Jamais desrespeitaria a individualidade de cada ser humano com um programa único de evangelização, nem com a frase evangelística do ano. Tinha uma frase evangelística para cada pessoa e para cada contexto. Em certo casamento, ocupou-se em realizar um milagre pertinente à ocasião. Conversando com um teólogo, usou uma linguagem metafórica capaz de aguçar-lhe os sentidos e a curiosidade da mente. Diante de um poço e de uma alma com sede de afeto, de atenção de verdade, de orientação e de Deus, referiu-se à água da vida. Parado em frente a um enfermo crônico, dispôs-se a oferecer cura. Ao se deparar com pessoas famintas, não só as alimentou como usou o Pão como metáfora adequada à verdade que desejava transmitir. Imagine agora um Jesus inoportuno, que se propusesse a multiplicar pães num casamento, transformasse a água em vinho no deserto, perguntasse a Nicodemos se gostaria de ser curado; e pior ainda, que pedisse de beber ao homem que há 38 anos não conseguia pular na água no tempo próprio; ou que lhe perguntasse: "Você quer nascer de novo?" Podemos até ouvir o paralítico respondendo: "Moço, eu não consigo pular na água e o senhor me pede de beber?" Ou: "Eu não agüento mais esta vida e o senhor me propõe vivê-la outra vez?" Se somos capazes de imaginar tantas cenas inoportunas, então podemos sentir o quanto as frases estereotipadas nos chavões evangélicos são muitas vezes inconvenientes.

Jesus não tinha nenhum projeto, tal como: 5 passos para a prosperidade. Ele dizia: "Segue-me". E é nesse seguir que se resume a vida melhor. A compreensão de que a vida do discípulo não deve prender-se a esquemas pré-fabricados não significa, no entanto, que sejamos indisciplinados, mas pessoas abertas e criativas na maneira de viver. Devemos fazer planos, traçar programas, possuir agendas, respeitar horários e desenvolver hábitos, mas nenhum desses fatos deve sobrepujar o costume de nos deixarmos guiar constantemente pelo Espírito e pela fé que atua pelo amor.

Jesus nos ensina a aceitar a perseguição decorrente da pregação do Reino de Deus

Desde que o Reino de Deus é a contracultura em relação à presente ordem de coisas, então torna-se lógico que o discípulo de Jesus espere ser perseguido. Tal perseguição independe do sistema político em que ele ou a igreja estejam imersos. Na realidade, depende mais da qualidade da igreja e do discípulo do que do sistema. Todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos . O receber comendas e benesses não são qualificações específicas desse ou daquele sistema político, mas um sintoma do tipo de pactos e convênios da igreja. Onde quer que o discípulo seja de fato discípulo e a igreja se mostre conforme o ideal bíblico, a perseguição se manifestará. "Ai de vós, quando todos vos louvarem! Porque assim procederam seus pais com os falsos profetas".

A perseguição dirigida ao discípulo é feita do mesmo modo como a que teve por alvo o Senhor Jesus. O discípulo não está acima do seu Mestre. A murmuração pode ser a ele dirigida; ou é possível que façam troça dele, ridicularizando-o. Calúnias podem ser levantadas contra ele, e suas palavras serão muitas vezes distorcidas Provavelmente ele será vítima de algumas entrevistas mal intencionadas. Material de acusação será procurado independente dos meios. E até quem sabe a força física será usada para tentar detê-lo.

O discípulo, no entanto, não deve nem mesmo admirar-se das fontes de onde surgirão muitas dessas perseguições. Podem ser conhecidos de infância, religiosos legalistas e sem amor, a família possuída de um sentimento de superproteção ou de incredulidade, talvez ciúme e inveja espiritual ou ainda uma perseguição oficial do Estado tirânico.

Ao contrário do que se pensa, Jesus ensina o discípulo a reagir com bom senso e coragem diante de tais situações. Em princípio, bom senso e coragem parecem virtudes auto-excludentes, mas não o são. Bom senso sem coragem é timidez; coragem sem bom senso é estupidez. Jesus usou o bom senso para se defender. Fez isto, no entanto, vivendo a tensão de prosseguir a sua missão sem, contudo, alhear-se à prudência. Ele manifesta assim o seu bom senso de várias maneiras: esconde-se ; some no meio da multidão ; abandona a beira de um barranco ; anda incógnito; evita lugares perigosos; impede os inimigos de conhecer seu paradeiro ; e, na sua última estada em Jerusalém, mantém-se reservado, evitando aparecer em público.

Mas não é apenas bom senso o que Jesus evidencia diante da perseguição. Também a sua coragem fica patenteada: os caprichos dos seus familiares são confrontados; as entrevistas com segundas intenções recebem respostas adequadas ; a perseguição oficial do Estado obtém resposta própria, e seu caminho em direção a Jerusalém não é modificado. A partir do momento em que coloca a cruz na mira dos seus olhos, a marcha de Jesus só tem um rumo: para a frente.
Se formos bons aprendizes de Jesus, certamente seremos firmes em nossas posições, sem, no entanto, esquecermos a prudência. Aprenderemos também a não nos admirar com a perseguição.

O mundo tem apenas duas reações básicas ante a genuína pregação do Reino de Deus: arrependimento sincero ou perseguição declarada. Ninguém consegue manter-se indiferente diante do inequívoco anúncio do Reino de Deus e das claras explicitações de seus objetivos e implicações.

Jesus nos ensina a ser pessoas de oração

Cristo faz da vida uma oração. Não apenas a oração passa a ser a chave do dia e a tranca da noite, mas se transforma no próprio ato de viver. Jesus ensina que as mãos oram quando servem em amor, e que a vida é uma prece dramática e coreografada pelas atitudes que se transformam em ação positiva em favor dos interesses do Reino de Deus. No entanto, não apenas o existir é uma oração, como deve se intensificar na forma e nas expressões cotidianas do corpo que se ajoelha na presença de Deus, numa hora específica, quando a alma, o corpo e o espírito balbuciam as orações e súplicas diante do Pai. A este respeito diz-nos a Escritura que Jesus orava sistematicamente. Quando se via premido pelos múltiplos afazeres do dia e da semana, convidava os discípulos para um tempo de descanso e oração. Tal projeto não excluía, porém, a possibilidade de uma interrupção pelos clamores e aflições de uma multidão doída e faminta, que ansiava pelas próprias mãos pródigas de Jesus. Assim, o tempo de oração podia ser interrompido, mas nunca o objetivo de estar diante de Deus. Após atender às carências humanas, ele retornava ao ponto inicial, ao objetivo maior do dia, ou seja, estar na sua presença, sozinho, em oração. O local não era necessariamente importante, desde que oferecesse a tranqüilidade necessária. Podia ser qualquer monte em volta do mar da Galiléia, ou o solitário e silencioso Hermom, sobre a Cesaréia de Filipe. Mesmo a aridez de um deserto foi para Jesus um fértil lugar de oração. E ele chega a enfatizar o fato de que a solidão dos lugares acentua ainda mais o sentimento da presença de Deus. Não importava que fosse deserto ou jardim; o importante era orar, pois o que Deus faz florescer no coração pode brotar em qualquer lugar, desde que se esteja orando.

Todavia, ele não orava sempre sozinho. Havia momentos em que convocava amigos especiais para compartilhar um tempo de oração. Nestes encontros a glória foi manifestada, mas também o choro e a angústia. Para Jesus, toda hora é hora de oração. As madrugadas ouviram sua voz diante do Pai, e na escuridão sua presença clareava a noite pelo fulgor que de sua face procedia. Também ao pôr-do-sol sua voz se erguia em oração. Uma grande decisão e uma opção definitiva eram motivos mais que suficientes para que uma noite inteira fosse gasta em súplicas.
Dependendo da ocasião, Jesus podia dedicar-se a uma longa oração ou proferir uma rápida súplica objetiva. A coreografia do seu corpo durante a prece compunha-se de gestos humildes: prostrava-se em terra. Ao intensificar-se a agonia, intensificava-se também o seu clamor.
Presentemente há duas maneiras bem definidas de se entender a oração: há os que a vêem como um ritual devocional com o qual se deve começar bem o dia. É como levantar com o pé direito. Para tais pessoas, não importa se alguém esteja morrendo naquele mesmo instante à espera delas; para elas o essencial é não deixar de orar no tempo marcado. Pensam que Deus se compraz num tempo de oração que rouba de alguém um alívio. Este é um ponto de vista legalista. Por outro lado, há os que não oram, e na sua luta contra o legalismo da oração se deixam levar por uma espécie de antinominianismo devocional. Elas simplesmente não oram. Com Jesus, no entanto, aprendemos que o discípulo deve segui-lo ao lugar de oração. O seu convite - Segue-me - inclui também os momentos diários de prece. Sem oração, o discípulo é ativista, nunca discípulo. E o que retiramos do exemplo de Jesus é que, evitando qualquer legalismo, não nos deixemos enlaçar pelo descompromisso com a oração.

O discípulo não pode orar menos que seu Mestre, e com ele deve aprender a socorrer as pessoas, ainda que interrompendo um tempo de prece, para imediatamente retornar a ele. tomando cuidado para não se cair no ativismo do serviço altruísta sem que se tenha tempo para estar a sós com Deus, deve-se ter em mente que a qualidade das ações é determinada pela qualidade do tempo que se investe sinceramente em oração.

Jesus nos ensina a viver na alegria da descoberta do Reino de Deus

O Reino de Deus é a maior descoberta - ou revelação - que um ser humano pode ter na vida. Tal vislumbre consegue gerar felicidade sem promover futilidade e brincadeira. Ele existe na possiblidade de nos fazer chorar com os que choram sem que isto nos torne infelizes. Faz-nos capazes de uma felicidade séria.

Quando alguém de fato se apropria da grande maravilha que significa entrar no Reino de Deus, então tal percepção imerge o homem nas misteriosas águas do segredo e da revelação da Verdade. Através desta descoberta, vive-se a alegria simples das crianças ea certeza de um recomeço consciente sob a convicção do perdão de Deus: algo como nascer de novo. A sensação que se apodera do coração que entra no Reino é como aquela que pervade o coração do filho que se julgava deserdade e vem a descobrir que a ele pertence a herança do amor do Pai. A euforia que domina essa alma é aquela que a pessoa considerada de maior sorte na vida jamais experimentou. É como passar de miserável a rico, gratuita e repentinamente. Os movimentos e os desejos que se manifestam na alma são equivalentes àqueles que fazem as pessoas se embalarem na reverente e familiar dança da felicidade e do reencontro. Nessa entrada no Reino surge na alma o mesmo alívio que acomete o coração dos que foram libertos do rigor despótico de um tirano conquistador. Vive-se nessa descoberta como aqueles que são recém-casados, em plenas bodas, no usufruto da terna lua-de-mel. A chegada do Reino de Deus para uma vida é mais significativa do que a alegria que vem após a dor do parto, vencida pelo alívio do nascimento do almejado filho. A alegria da salvação faz com que a pessoa já nem se lembre mais da dor do passado. Com o Reino nasce a esperança.

Ao olhar em volta, noto que falta na vida e nas expressões de existência do povo de Deus esta alegria que nasce da alma como conseqüência de se ter recebido a revelação do Reino. De um lado há uma religião de oba-oba e de descompromisso do outro, um funesto e insípido cristianismo. Mas onde está nosso primeiro amor? Onde perdemos a alegria da Salvação? Quem nos desprendeu da órbita da alegria enquanto girávamos em volta do Sol da justiça? Onde esquecemos que o Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo?

Neste modesto e pequeno trabalho tenho em mente o desejo de desafiar a mim mesmo na direção dos ideais aqui expostos. Quero aprender a viver este fascinante projeto de vida. Penso seriamente que, depois de descobrirmos para que estilo de vida Jesus nos chama, estaremos prontos a perguntar a nós mesmos: No meu contexto de vida, com família e responsabilidade variadas, perante pessoas e instituições, que tipo de vida Jesus viveria e, através do seu exemplo, o que me ensina a fazer?

Creio que, se tivermos em mente os referenciais de vida que Jesus propôs, teremos condições de contextualizar a vida de Jesus na nossa própria existência, assim como a nossa vida no existir humano de Jesus. Só neste caso poderemos nos incluir entre os todos que ele convida a segui-lo:
"E dizia a todos: Se alguém [qualquer um] quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz, e siga-me."

Apêndice I

Uma Ponte no Tempo

Terminamos "O Mais Fascinante Projeto de Vida" perguntando o que faríamos na nossa própria existência, com aqueles princípios de vida ensinados e vivenciados por Jesus. No entanto, para que consigamos ter êxito nesse empreendimento, precisamos desenvolver imensamente o nosso bom senso. Aliás, é hora de o colocarmos em prática, já que ele é um dos princípios fortemente enfatizados neste nosso trabalho.

O bom senso nos livrará dos exageros. Isso porque nossa tendência natural nos conduz a exacerbações: ou julgamos o estilo de vida de Jesus desinstalado demais para que nos vejamos capazes de o assumir, ou literalizamos e absolutizamos cada situação, fazendo aquilo que ele disse a uma pessoa - num certo momento específico e concreto - uma palavra a ser praticada por qualquer um em qualquer contexto. E de todas essas posições extremadas surgem problemas. No primeiro caso, torna-se o discipulado uma proposta utópica e inobservável. No segundo, corre-se o risco de se colocar sobre as pessoas um fardo que nem nós nem nossos pais puderam suportar. Pior ainda: cria-se a possiblidade de passarem a existir pessoas tão frustradas que se deixem conduzir para práticas patológicas ou autodestrutivas. Os exemplos são tantos que julgamos desnecessário mencioná-los.

Uma vez levantada a sua preocupação para evitar os exageros e exercitar o bom senso, tentemos direcionar nossa atenção para algumas questões que têm que ser pensadas especificamente. São as seguintes:

1. Se Jesus houvesse contado com 50 anos para desenvolver seu ministério terrestre, teria corrido tanto quanto correu?

2. Se Jesus tivesse esposa e filhos, ter-se-ia ausentado de casa tanto tempo quanto se ausentou na maior parte do seu ministério?

3. Não tendo sido Jesus casado, há, apesar disso, em sua vida, algum indício de como um homem deve tratar a esposa? Ou melhor: a maneira como Jesus tratava por exemplo Maria, irmã de Lázaro e Marta, me ensina algo sobre como devo tratar minha esposa?

4. O fato de Jesus não ter tido casa própria significa que os seus engajados discípulos não possam ter cada qual a sua vida?

5. Se o Mestre estivesse vivendo seu ministério hoje, teria preocupação com o pagamento do seu imposto de renda, bem como com questões relacionadas aos encargos sociais da sua missão?
Penso que as respostas a essas perguntas não são difíceis de ser dadas. Torna-se claro, à luz do bom senso, que se Jesus estivesse vivendo entre nós hoje, e dispondo de mais tempo, seu ritmo seria dinâmico, porém mais lento. Se fosse casado sua esposa se quedaria assentada aos seus pés para ouvir a Palavra e permaneceria ao seu lado para longas conversas e palestras. Se o Reino não exigisse dele uma concentração em três anos de ministério, o que o impossibilitava de qualquer fixação, certamente ele teria uma residência fixa para a qual voltar após as jornadas do Reino. Se também sua missão estivesse se dando hoje, num mundo onde há rígidas leis empregatícias e forte fiscalização nessa área, não há dúvidas de que os missionários de Jesus teriam os seus direitos em dia. Quando ele paga impostos, deixa isso claro.

Nossa proposta, neste despretensioso trabalho, além das explicitadas no curso do mesmo, é desafiar os leitores a se exercitarem na tarefa de contextualizar os princípios dos Evangelhos na própria vida. Aliás, a lição que eles nos dão é exatamente esta. Isto porque temos quatro Evangelhos, e cada um deles se dirigia a um público específico, numa cultura específica: Mateus destinava-se aos judeus de Antioquia; Marcos, aos fiéis em Roma; Lucas, aos homens de pensamento grego; e João aos cristãos de Éfeso e da Ásia. Por isso os Evangelhos funcionam como modelos hermenêuticos, insistindo, por sua própria natureza e composição, que nós também narremos de novo a mesma história em nosso contexto do século XXI, bem como busquemos vivenciar seus princípios dentro das nossas realidades - semelhantes ou correspondentes.

Devo ainda dizer que a esse respeito não desejamos apresentar respostas ou fazer sugestões amplas e minuciosas. Nosso objetivo é suscitar dúvida em relação à maneira como você tem lido o Evangelho. Aliás, somente quando ficamos desconfiados da maneira simplista e despreocupada como temos lido sobre Jesus é que estamos caminhando na direção de encontrar o modo certo de entender e assimilar a vida e a mensagem de Cristo.

A visão que nos impeliu a escrever este livro foi a de que, por seu intermédio, discussões salutares e construtivas poderiam vir a ser desenvolvidas.

Minha sincera expectativa é a de que "O Mais Fascinante Projeto de Vida" tenha produzido ebulições no seu coração, e que as dúvidas e questões por ele levantadas possam ser eliminadas mediante honestas discussões e uma ávida leitura do material sugerido.

Não tenho nenhuma dúvida de que se você se dispuser a seguir esse fascinante projeto de vida a sua existência será uma aventura de fé, amor e realizações, e uma nova geração de seres humanos redescobrirá em Jesus de Nazaré - mediante o compromisso que você assumir com ele - o Caminho, a Verdade e a Vida.

Que o Espírito Santo construa uma ponte no tempo entre o Jesus e a história de vida de cada irmão e cada irmã.

Apêndice II

Metodologia: Criatividade e Fixidez de Princípios

Em várias ocasiões, no "Mais Fascinante Projeto de Vida", aludimos à criatividade e à necessidade de haver - em meio ao exercício da imaginação – uma preocupação séria com a fixidez dos princípios bíblicos. Tentamos a partir dessa dialética criar uma tensão sadia no "modus operandi" da evangelização. Isto porque somente nesta tensão é que se encontra o equilíbrio necessário ao bom andamento da tarefa evangelizadora da Igreja. Quando se polariza qualquer destas perspectivas, corre-se perigo. Ao se optar pela absolutização da criatividade anda-se na vereda escura e lodocenta da promiscuidade metodológica e corre-se o risco de se permitir que o Evangelho e a evangelização se tornem tênues realidades no conteúdo e na forma do nosso discurso religioso. Por outro lado, quando se fica aferrado aos métodos bíblicos sem saber distingui-los dos elementos culturais e políticos do século I e de outros momentos históricos, incorre-se no erro de absolutizar não o princípio, mas a cultura de um século, estratificando-se irremovivelmente tradições e modelos que precisariam ser repensados, a bem da dinâmica da evangelização e do progresso - sempre contextual - do Reino de Deus.
Esta preocupação com o engessamento da mensagem da Igreja de Cristo pelos métodos sacralizados e pelas culturas santificadas deve fazer parte da nossa reflexão em todos os momentos da história. Isso porque não estamos isentos da possibilidade de que esses invólucros se tornem sufocantes para a Palavra. Pouca gente percebe isso melhor do que Dietrich Bonhoeffer: Somos de opinião de que se o próprio Jesus, e tão-somente Jesus com a Palavra, estivesse em nosso meio na pregação, seria outro o grupo de pessoas a escutá-la e outro a rejeitá-la. Isto não significa que a pregação da Igreja tenha deixado de ser a Palavra de Deus; no entanto, quanto som estranho, quantas leis humanas duras; quantas esperanças falsas e falsos consolos turvam ainda a cristalina mensagem de Jesus, dificultando a decisão autêntica. A culpa não deve ser procurada exclusivamente nos outros, quando julgam dura e difícil a pregação - mesmo que esta pretenda ser nada senão pregação de Cristo -, por estar carregada de fórmulas e conceitos estranhos. É errado afirmar que todas as palavras de crítica à pregação constituem por si rejeição a Cristo, anticristianismo.

Concluindo esse raciocínio sobre o que obstaculiza o caminho de muitos, Bonhoeffer diz: Não é propriamente da Palavra de Cristo que querem esquivar-se; mas é que entre eles e Cristo há tantas coisas humanas, toda a institucionalidade, muita doutrinação. Tornamo-nos empecilho para a Palavra de Jesus, apegando-nos demasiadamente a determinadas formulações, a uma pregação por demais esteriotipada conforme a época, local, estrutura social, pregando quem sabe em termos dogmáticos, mas alheios à realidade da vida, repetindo sempre certos conceitos bíblicos, relegando, porém, ao esquecimento palavras importantes, pregando opiniões e convicções pessoais e muito pouco a Jesus Cristo.

O Kerigma não variará jamais. A mensagem de que Deus se fez gente e morreu vicariamente na cruz é insubstituível. A ressurreição histórica e palpável dentre os mortos também tem que ser afirmada como ponto fundamental da nossa fé, contra todo sofisma ou ceticismo. Todavia, devemos saber que evangelizar é anunciar a mensagem de salvação sobre a vida, a morte e ressurreição de Jesus, fazendo isso dentro de um conjunto de realidades que a tornem compreensível. Para que tornemos a mensagem do Evangelho compreensível teremos que entender as seguintes realidades:

1. É necessário que a linguagem seja adequada ao momento histórico. Palavras mudam de sentido e conotação. Entram e saem de uso, são dinâmicas. Nascem e morrem com as gerações. Cada geração se comunica com novos tipos de frases e novas palavras. O Evangelho tem que ser anunciado dentro desse conjunto de realidades.

2. É importante compreender que metáforas melhor se adaptam a cada grupo de indivíduos. Isto porque a alma humana sempre encontra sua melhor metáfora em algo fora de si. Jesus e os apóstolos jamais subestimaram o poder existencializável da metáfora. A samaritana tinha sede. Nicodemos precisava nascer de novo. O povo faminto necessitava do Pão da Vida. Os discípulos que tendo olhos não viam, careciam de ver um cego ser curado em duas etapas para entender que a eles ainda faltava uma maior clareza na visão espiritual.
Os homens da Galiléia compreenderiam melhor sua missão se fossem comparados a pescadores. Os enlutados entendiam o forte significado da ressurreição. As "donas-de-casa" compreendiam muito bem a alegria de se achar uma dracma fortuitamente. E os agricultores sabiam o que significava semear em solo não preparado. E nós, no século XXI, diante de homens criados no asfalto, entre pequenos canteiros de remotas plantas e grande edifícios, atordoados pelas poluições auditiva, visual e respiratória, a que compararemos as realidades íntimas e existenciais dos nossos contemporâneos? Que metáforas usaremos, a fim de ajudá-los a compreender melhor a imutável mensagem do Evangelho?

3. É preciso descobrir o ponto de tensão de cada ser humano. Todas as pessoas têm uma zona de conflito psicológica e existencial: a de Zaqueu era o dinheiro. Só depois de haver arrependimento naquela área é que se evidenciava a salvação. A zona de conflito do jovem rico era a cobiça. É o mandamento omitido, mas é também a questão para qual ele não tem resposta. O ponto de tensão da samaritana era a questão sexual. O carcereiro de Filipos vivia o dilema de ser carcereiro frio e, ao mesmo tempo, ser afetuoso marido e pai. Isso gerava tensão e conflito. Seu fracasso seria o fim. A área turbulenta de Paulo era, como no caso do jovem rico, a cobiça (Rm. 7:7,8). Também as sociedades têm seus pontos de tensão e nevralgia. Em Roma era a perversão. Em Éfeso, a idolatria. Atenas tinha na filosofia seu ponto de conflito. A Inglaterra dos dias de Wesley não podia ouvir a mensagem do Evangelho alienada da questão da escravatura e sem denúncia àquela situação.

É plano de Deus que cada um de nós conheça a realidade concreta e ministre a ela de modo pertinente. No Brasil de hoje não se pode contextualizar legitimamente o Evangelho esquecendo-se de que milhões de seres humanos sofrem de doenças emocionais, uma legião de casamentos está se desfazendo e há um outro tanto que já sucumbiu irremissivelmente ante a indiferença.
Também não se pode deixar de pensar em centenas de pessoas que sofrem ataques espirituais malignos e dos inúmeros que passam fome e estão desempregados ou subempregados: 75% da população vive em situação de marginalidade relativa, 43% estão condenados a sobreviver com apenas um salário mínimo, 40% dos brasileiros vivem, trabalham e dormem com fome crônica. O quadro se amplia quando se sabe que dez milhões são deficientes mentais, 8 milhões atacados de esquistossomose, 6 milhões têm malária, 650 mil são tuberculosos e 25 mil leprosos (O Estado de São Paulo, 06/02/78 página 3). Veja que os dados estão com alguns anos de desatualização. Hoje, a miséria é intensamente superior. E ainda não se pode esquecer de que são feitos 4 milhões de abortos por ano no país e que a maioria das pessoas envolvidas na situação vive a realidade de um latejante e continuado sentimento de culpa.

Há tanta coisa a ser dita sobre o que a criatividade pode engendrar a fim de tornar o evangelho pertinente à realidade das pessoas, que preferimos deixar isso para um próximo livro. No entanto, devemos ter em mente que a imaginação tem toda a liberdade para criar dentro do espaço definido pelo conteúdo salvífico do Kerigma e dos princípios fundamentais do Evangelho: arrependimento, fé, obediência e vida comunitária.

Como já dissemos no Apêndice I, não é intenção - nem no corpo do livro nem nesses complementos - dar respostas feitas, mas apenas suscitar questões que possam ser aprofundadas em discussões posteriores.

Como não sou um escritor profissional e nem um perito em teologia, evangelização e eclesiologia, atrevo-me apenas a fazer perguntas. Penso que muitos daqueles que leram as questões suscitadas pelo "Mais Fascinante Projeto de Vida" e seus dois apêndices têm melhores condições intelectuais e instrumentais do que eu para aprofundar e equacionar os problemas criados.
Quero também deixar claro que não estou me oferecendo como referencial prático e nacional de como viver os desafios expostos e propostos neste trabalho. É verdade, entretanto, que a maior ambição da minha vida é fazer jus ao signo do discipulado. Amo seu modelo existencial, psicológico, político e comportamental. Amo até mesmo as controvérsias às quais se está sujeito vivendo esse projeto de vida.

Ser discípulo é ser feliz em meio aos perigos da jornada. É ser o divisor das uniões ilícitas, o desestabilizador dos pactos espúrios, o catalisador dos segregados, o amante fraterno dos repudiados.

Ser discípulo é somente como se pode ser gente, sem que seja de uma casta superior. A superioridade do discípulo é ser servo.
A liberdade do discípulo é ser escravo da lei da liberdade, e a sua escravidão é ser livre para obedecer ao amor e à santidade.

Eu quero ser discípulo!

Caio Fábio